Redução da jornada: uma boa receita contra o desemprego
Certamente o efeito social mais dramático das crises econômicas que perturbam periodicamente o processo de reprodução do capitalismo é o desemprego em massa. Desta vez não é diferente. A economia estadunidense, epicentro da crise, destruiu 2,6 milhões de
Publicado 10/01/2009 10:16
O flagelo das demissões castiga em primeiro lugar os segmentos mais frágeis e explorados da classe trabalhadora, começando pelos imigrantes latino-americanos, no caso dos EUA, ou de brasileiros (dekasseguis) no Japão. O fantasma do desemprego também voltou a rondar os lares das famílias operárias no Brasil. A produção do setor industrial acumulou queda de 8% nos meses de outubro e novembro. O nível de emprego caiu 2,4% em dezembro no ramo automobilístico e tudo indica que as coisas vão piorar sensivelmente ao longo deste ano.
De efeito a causa
À primeira vista o desemprego surge como um efeito natural da crise, colorido com os tons trágicos e resignados da fatalidade. Todavia, no movimento real (e dialético, contraditório) da economia, de efeito o desemprego logo se transforma em causa da recessão. Esta emerge, conforme teorizou Karl Marx, da ruptura da unidade entre produção e consumo, no momento em que as mercadorias produzidas na indústria (em sentido amplo, incluindo agropecuária e serviços) não são vendidas, caracterizando uma solução de continuidade no processo de circulação do capital, que o pensador alemão traduziu em duas formas: D-M-D`, no setor produtivo, e D-D´, no setor financeiro.
A fórmula se refere, no caso da economia real, à transformação do capital na forma dinheiro (D) em capital na forma mercadoria (M) e sua reconversão à forma inicial (dinheiro) acrescido de um excedente (D´). No caso do capital fictício (financeiro), a circulação não requer tal transmutação (do capital-dinheiro em capital-mercadoria), o dinheiro inicial (D) se transforma em dinheiro acrescido de um excedente (D´) sem a mediação do processo produtivo, mas também neste caso a circulação do capital está sujeita a embaraços.
Interrupção do crédito
No setor produtivo a interdição da circulação do capital tem sua tradução na superprodução relativa de mercadorias, ou seja, num excesso de produção face à capacidade (limitada) de consumo da sociedade. No setor financeiro, a solução de continuidade da circulação do capital ocorre com a brusca interrupção do crédito e de outras formas de investimentos financeiros. Obviamente, o que se verifica hoje não é uma mera crise financeira, mas uma séria perturbação do processo global de reprodução do capital, que envolve tanto a economia real quanto o capital fictício.
O desemprego deixa de ser efeito e se transforma em causa da recessão na medida em que reduz significativamente a capacidade de consumo da classe trabalhadora. É necessário entender que a crise não irrompe porque o assalariado resolve parar de consumir de um momento para o outro, movido por obscuras razões psicológicas, conforme imagina o nosso presidente. O trabalhador não deixa de consumir por vontade própria, mas por carência de renda. Uma vez demitido, já não recebe salário, não tem dinheiro para ir às compras. Agrava-se, por conseqüência, o divórcio entre produção e consumo, a crise de superprodução. O desemprego se transforma, então, de efeito em causa da recessão, é um fator retro-alimentador da crise. Daí que o combate eficiente à crise pressupõe, em primeiro plano, a defesa do emprego.
Relações de produção
O desemprego nos é apresentado pelo pensamento dominante como um efeito inevitável da crise, uma fatalidade equiparável a uma calamidade natural. Isto, porém, não corresponde à verdade dos fatos, já que se trata de uma relação social que, no caso, envolve dois agentes da produção capitalista: o empresário, proprietário dos meios de produção, e o trabalhador, despojado desses mesmos meios que, para sobreviver, é constrangido a vender sua força de trabalho ao patrão. No capitalismo, a mão-de-obra não é mais como uma mercadoria, embora uma mercadoria especial, com a propriedade de produzir um valor excedente, uma mais-valia.
A demissão é antecedida da decisão do capitalista de demitir. Se tal decisão não fosse tomada, não haveria demissão e nem razão para se preocupar com o desemprego. A responsabilidade pelo desemprego deve ser atribuída, por conseqüência, aos capitalistas, ao capitalismo, às relações sociais subjacentes ao processo de produção capitalista. É fácil verificar isto quando se observa o comportamento do emprego em épocas de crise no setor público, onde as relações trabalhistas (excluindo celetistas) são regidas por outras regras e o trabalhador goza de maior estabilidade. Diferentemente do que ocorre nas empresas privadas (capitalistas), o funcionário público com estabilidade não é demitido em épocas de recessão. Disto podemos deduzir que o desemprego não é um efeito espontâneo e natural da crise.
Jornada e emprego
Faz muito tempo que economistas, sindicalistas e empresários sabem que é possível evitar o avanço do desemprego alterando a jornada de trabalho, no caso reduzindo-a. Uma vez dado o grau de produtividade do trabalho, o nível de produção é determinado pelo número de horas trabalhadas, que por sua vez depende da jornada e da quantidade de trabalhadores em atividade. Manifesta-se aí o que Adam Smith classificou de lei do valor-trabalho. O patronato reconhece implicitamente esta verdade ao impor a flexibilização da jornada através do banco de horas, alongando-a quando a produção está em expansão e reduzindo-a quando o mercado se contrai.
O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, também admitiu esta relação entre jornada e emprego ao declarar, recentemente, que a saída para o desemprego no Brasil é a redução da jornada de trabalho em 20%. Até aí tudo bem. Mas, eis que ele também propõe uma diminuição proporcional dos salários, o que para a classe trabalhadora é inadmissível e do ponto de vista econômico (no combate à recessão) é um contra senso, pois a redução da renda do trabalho também produzirá uma diminuição do consumo, agravando a crise de superprodução.
Luta de classes
A redução da jornada sem redução de salários é uma bandeira histórica dos trabalhadores e trabalhadoras, que responde ao incessante avanço da produtividade do trabalho e ganha maior relevância e sentido neste momento de crise. Mas, é uma reivindicação que contraria frontalmente os interesses que orientam o processo de produção e reprodução ampliada do capital, pois não se efetiva sem sacrificar em certa medida os lucros. Por esta razão, os capitalistas são radicalmente contra a redução da jornada sem redução de salários.
Assim como emprego e desemprego resultam de relações sociais entre capitalistas e trabalhadoras também o tempo de trabalho não é dado a priori na economia, mas o resultado histórico da luta de classes entre capital e trabalho. Para transformar em realidade esta aspiração histórica da classe trabalhadora é preciso lutar com muita determinação de forma a romper as barreiras impostas pelos capitalistas. Este talvez seja o maior desafio que a crise lança para o movimento sindical brasileiro, que na sua marcha unitária em Brasília no final do ano passado, sob a bandeira do desenvolvimento com valorização do trabalho, manifestou a disposição de lutar para que o ônus da crise não seja lançado sobre as costas largas da classe trabalhadora na forma do desemprego, redução de salários e flexibilização de direitos.