Repercussões da crise nos EUA e o velho FMI

De fato, algumas profecias foram criadas para terem vida muito curta. Talvez a mais famosa e efêmera dos últimos tempos tenha sido a de Francis Fukuyama a respeito do “fim da história”. Caso Fukuyama estivesse correto, após a queda do socialismo real tudo

Mas, infelizmente, para o regozijo dos renties, Astaroth está sempre vigilante.  Ao contrário do que esperavam alguns sinceros liberais, o processo de liberalização e desregulamentação dos mercados resultou não em uma repartição da riqueza mais igualitária, mas em maiores assimetrias entre as nações. A série de crises financeiras que varreu a periferia nos anos 1990 deixou claro mais uma vez que o capitalismo é um jogo incerto, desigual e que  a possibilidade de ascenção das economias nacionais dentro do sistema continua muito difícil.



A crise no sistema imobiliário que atingiu os Estados Unidos no segundo semestre do ano passado vem se arrastando com repercussões globais, em grande parte como conseqüência do atual padrão sistêmico de acumulação financeirizada.  No mais recente abalo, as bolsas mais importantes do mundo registraram quedas significativas.   A intervenção do Fed  chegou à altura do problema: numa reunião de emergência antes da abertura de Wall Street nessa terça-feira (22/03), anunciou um corte de 0,75% na taxa de juros para 3,5%, o maior corte em 24 anos (1).



Num relatório apresentado em abril do ano passado, no capítulo 4, intitulado “Decoupling the train? Spillovers and cycles in the global economy”, o Fundo sugeria que uma desaceleração da economia norte-americana poderia ter impactos limitados sobre a economia global; isto é, aquilo que até então era uma provável crise imobiliária nos Estados Unidos, se viesse realmente a ocorrer seu impacto estaria bastante “descolado” da economia mundial. Para justificar tal otimismo, o FMI citava três razões.  Em primeiro lugar, a turbulência que atingiu os Estados Unidos afetou setores da economia específicos com menor influência internacional, como é o caso do setor imobiliário. Em segundo lugar, para vários países os efeitos sobre a demanda global teriam pouca influência porque os laços comerciais com os Estados Unidos têm perdido importância em comparação com o comércio regional; por último, o fortalecimento da demanda, tanto nas economias avançadas como em algumas economias emergentes, pode manter o crescimento global mais resistente aos choques.



Ainda que o relatório do FMI reconheça a importância do mercado financeiro norte-americano, o mais liquido e profundo, e a possibilidade de contágio entre os países conforme aumenta a integração financeira, o tema não avança muito.



Obviamente o relatório não faz referência ao papel singular que o dólar desempenha no comércio e na finança mundial; papel que confere uma vantagem descomunal à economia norte-americana. Muito menos questiona à maneira como os Estados Unidos vêm desempenhando seu poder financeiro no mundo. No campo monetário-financeiro, tamanha assimetria impõe a esquizofrênica situação de que, mesmo quando a crise é originada dentro dos seus mercados, os títulos públicos norte-americanos continuam sendo vistos como os mais seguros do mundo. Isto por si só é fonte de turbulência, sobretudo nas economias periféricas.  Não raro, estas economias são pegas de surpresa e tentam desesperadamente evitar desvalorizações abruptas de suas moedas ocasionadas pela reversão dos fluxos de capitais para praças financeiras mais seguras, especialmente a de Wall Street. Uma análise detalhada sobre estas questões talvez encontrasse uma explicação a respeito do por que todas as tentativas de minimamente regular as finanças mundiais são solapadas.



Diante dessas questões não é surpresa alguma, como o ex-vice-presidente do Banco Mundial Joseph Stiglitz reconheceu, que o mundo esteja passando por mais um período de grande instabilidade (3). Na segunda-feira (21/01) o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn reconheceu a gravidade da crise ao afirmar que os países podem ser atingidos pela desaceleração econômica dos Estados Unidos, portanto não há o “descolamento” (4). Na terça (22/01) o porta-voz do FMI, Masood Ahmed, avisou que uma desaceleração mundial parece inevitável. Não foi a primeira vez que o Fundo errou, mas dentre tantos erros e omissões no passado este “mea culpa” pelo menos veio um pouco mais rápido. Assim mesmo, é o velho FMI de sempre!


 


(1) Cf. MICHAEL, Robert e GUHA, Krishna (2008). “Fed faz maior corte no juro desde 1984”. Valor Econômico, 23 de janeiro, p.C1.



(2) STIGLITZ, Joseph (2007). “Financial hipocrisy”. Project Syndicate (http://www.project-syndicate.org/commentary/stiglitz93).



(3) “BOLSAS desabam em dia de pânico”. Valor Econômico, 22 de janeiro, p.C1

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