Saudades de Rogério Lustosa no bicentenário de Darwin
O naturalista inglês Charles Robert Darwin (1809-1882), co-autor, com o também naturalista inglês Alfred Russel Wallace (1823-1913), da Teoria da Evolução – os seres vivos evoluem: modificam-se ao longo dos tempos -, em 12 de fevereiro, completa 200 anos.
Publicado 04/02/2009 16:10
A Teoria da Evolução é uma das maiores revoluções intelectuais de todos os tempos, cujas repercussões extrapolam as biociências. Reuniu evidências científicas de que os seres vivos não são imutáveis: evoluem. No aspecto cultural separou definitivamente a ciência da religião. Darwin é instigante. Minha paixão por ele foi à primeira vista. A imagem é nítida: uma menina debaixo de um frondoso pé de oliva encapava seus livros da 1ª série ginasial. No de ciências encontrou a Teoria da Evolução com gravuras impactantes de macacos virando gente! Casa do Estudante do Colégio Colinense, Colinas (MA), 1965.
Revisito muito ''A Origem das Espécies'' (24.11.1859). Sou dedicada leitora de Darwin e compradora compulsiva de livros sobre ele. Em ''Engenharia Genética: O sétimo dia da criação'' (Moderna, 1995), há dois capítulos que considero a pedra de toque do meu livro: ''Contribuições da genética à Teoria da Evolução'' e ''Teoria da Evolução e genética versus ideologias burguesa e proletária''. Darwin motivou polêmicas titânicas com um amigo, a quem dediquei o livro: ''À memória do revolucionário Rogério Lustosa, de quem tive o privilégio de ser amiga e com quem discuti parte substancial dos assuntos tratados neste livro''.
Rogério Lustosa (1943-1992) era um intelectual incisivo, preciso e profundo. Sustentava suas opiniões com brilho incomum, permeado de pitadas da arrogância inerente a um intelectual completo e complexo, cuja convicção dos argumentos era de uma mordacidade de bisturi afiado. Cortava e deixava sangrar. Às vezes, hemostasiava. Do alto de sua quilometragem afetiva era docemente bruto como conselheiro sentimental: ''E você vai perder um amor sem lutar?'' Ao dizer não ao seu convite para escrever na ''Princípios'' sobre engenharia genética, falou: ''Você tem a têmpera da inovação''. Escrevi ''A vida é uma molécula de DNA manipulável'' (1992).
Era um polemista turbinado e sedutor: ''Não entendo! Um capítulo inteirinho sobre a Teoria da Evolução num livro sobre uma coisa tão nova? Darwin explicou a materialidade da vida, e nós, os comunistas, o reverenciamos. O que ele tem a ver com o que está escrevendo? Engels já disse tudo em 'A Dialética da Natureza' (1925). O que vai acrescentar?'' Eu dizia, incansavelmente, que era um continuum…
Rogerão não alcançava. Não leu a forma final do livro… Morreu sem saber que perdeu a parada pra Darwin. Constato saudosa que sua paciente e terna companhia intelectual foi incomensurável. Sua franqueza retumbante de elefante em loja de louça, idem. Um dia, disse-lhe que tinha dúvidas sobre escrever o livro. Suas palavras cortantes ressoam: ''Vai escrever sim! Não é todo dia que uma grande editora como a Moderna convida uma comunista para escrever um livro! Teu caminho é por aí. Vai por ele!'' Foi o empurrão que fez de mim uma escritora.