Sidney Miller, gênio mutilado na BBC Brasil
BBC resgata Sidney Miller, mas silencia o essencial: sua morte trágica, sua militância contra a ditadura e seu legado como um dos compositores mais lúcidos da MPB.
Publicado 16/05/2025 12:00 | Editado 16/05/2025 11:49

Nesta semana, li o artigo “A trágica história do cantor brasileiro que rivalizou com Chico Buarque e acabou no ostracismo”, na BBC News Brasil. Sobre o artigo, anotado a duras penas na minha página do Face, que me proíbe hoje de postar nos grupos de que faço parte, desenvolvo estas linhas a seguir com liberdade.
O texto da BBC reúne muitas informações, mas não fala o essencial. E por não falar, falha. Primeiro, Sidney Miller não era bem cantor, era compositor. Ele cantava de acréscimo, digamos assim, como ocorreu a partir da bossa-nova. Sabemos que cantores podem ser criadores. Elis Regina era imensa, Aracy de Almeida, insubstituível, Orlando Silva, magnífico (“se Deus um dia olhasse o meu estado”, interpretação inesquecível que nos vem agora), mas nem por isso se confundiam ou se confundem com Noel Rosa, Chico Buarque, Caetano, Gil. Cantores e compositores habitam terras de excelência diferentes. A bossa-nova, principalmente, tornou possível que grandes compositores também cantassem o que escreviam. Aqueles dós de peito de Vicente Celestino se tornaram coisas de um passado remoto. Mas com João Gilberto aprendemos todos a usar o microfone. Pra quê gritar com madame, não é?
Em segundo lugar, Sidney Miller cometeu suicídio, não faleceu aos 35 anos de um repentino enfarte. Essa minha observação causou um espanto. Mas mais espantado eu fiquei antes ao ver como se tem vergonha do real, e que a verdade é inconveniente. Então busquei fontes para o trágico ato do gênio Sidney Miller.
No livro de Alexandre Pavan, “Timoneiro”. “…Sidney fazia parte da equipe da Funarte, no Rio de Janeiro, em que coordenava alguns projetos especiais. No entanto, sua atividade no órgão, bem como seu trabalho de compositor, nos últimos tempos estava sendo prejudicado por graves problemas de depressão e alcoolismo. Apesar dos esforços dos amigos e colegas de trabalho para ajudá-lo, ele não aguentou a barra e acabou cometendo suicídio”.
Também aqui História com Gosto: Pois é, pra que ? Sidney Miller : “Nos últimos anos de vida, Sidney Miller estava afastado do circuito comercial. Tinha planos de voltar a gravar, de forma independente, um LP que se chamaria Longo Circuito. Trabalhava na Funarte, quando suicidou-se com apenas 35 anos.”
E no Estadão: “Sidney se matou aos 35 anos, às vésperas de gravar o quarto disco em 13 anos, que seria bancado com recursos próprios.” (veja aqui)
Sidney Miller (1945 – 1980) é o mistério mais bem guardado da música brasileira. Gravado por Nara Leão e comparado a Chico Buarque, o cantor e compositor teve certa projeção na era dos festivais. Mas sua timidez e o desejo de fornecer canções a outros em detrimento da própria imagem fez com que ele ficasse nas bordas da historiografia da canção popular. Ele teve sucessos como A Estrada e o Violeiro, O Circo (aquela do ‘vai vai vai, começar a brincadeira/tem charanga tocando a noite inteira’), Pede Passagem – essas três gravadas por Nara – Alô Fevereiro e É Isso Aí (ambas lançadas por Doris Monteiro)”
E o mais importante: Sidney Miller foi um artista, um autor contra a ditadura. Isso no texto da BBC é velado. Sidney Miller foi, talvez, o nosso compositor mais intelectualizado, com sólida leitura e compreensão de esquerda sobre o Brasil. Para quem não sabe, Sydney foi o nosso único músico da MPB a publicar na Revista da Civilização Brasileira.
Por último e por fim, agradeço a fraterna acolhida que minhas primeiras observações sobre Sidney Miller tiveram nas páginas dos fundamentais Paulo Sérgio Pinheiro e Xico Sá. Estamos todos na estrada.