Sim, houve feudalismo no Brasil

Poderia-se falar de um choque ocorrido na América Portuguesa em comparação com choque greco-romano partindo-se de premissas mais radicais, como por exemplo as relações sociais praticadas no âmbito das terras comunais de feudos germânicos ilustrando os lem


Ou mesmo observando a percepção de Sócrates e relacionar a decadência do homem grego como sinônimo da decadência da democracia grega da mesma forma que hoje podemos identificar a raiz da decadência do homem ocidental a partir da decadência da democracia burguesa. Outro exemplo interessante seria comparar a retrocesso neoliberal com a subida ao poder em Roma de Juliano (361 d. C.) com uma forte base educacional grega e que por querer fazer retroceder a ordem cristã estabelecida foi chamado de Apóstata, assim como o foram Collor, FHC, Yeltsin e Gorbatchev.

 

 

 

 

Logo se os que defendem a hipótese do não-feudalismo no Brasil deixassem que jorrar estatísticas de escravos no sul e no nordeste brasileiro e fossem mais radicais, poderiam perceber que no período depressivo mundial entre 1815 e 1848 milhares de escravos executavam pequena produção mercantil nas cidades litorâneas do Rio de Janeiro e de Santa Catarina e de forma tardia no Nordeste no período de 1920 e 1948.


 

 

 

Exercício de especialização disciplinar

 

 

 

Causa-me profunda estranheza a determinação da natureza de nosso modo de produção a partir das relações internas de produção ao lado “das conexões da colônia com a economia mundo” é no mínimo um exercício de especialização disciplinar, mais especificamente de historia, recheadas de estatísticas que nada dizem, pois não respondem pelo que é importante, como a título de exemplo, de quem era a propriedade da terra que tal escravaria ocupava. E muito menos responde pelo essencial: sobre o que se assentava o poder no século XIX no Brasil: sobre a terra? sobre a mão-de-obra? ou sobre os meios de produção? Até onde sei a caracterização de um modo de produção é facilitada em observar em que é feito com o excedente de produção e sobre qual forma de propriedade se assenta tal modo de produção.





 

 



Responder isso seria um bom ponto de partida para compreender uma série de coisas no Brasil, inclusive a relação entre os milhares de escravos residentes no sul do Brasil e o planejamento de ocupação territorial portuguesa, numa clara alusão de busca incessante de ocupação de terras virgens viabilizando a lógica unicamente feudal de “não haver terra sem senhor”.





“Materialismo histórico de ponta-cabeça”

 

 


 

Poderia ficar neste espaço “massageando ego” em apontar limites no apresentado ao Vermelho na última segunda-feira Seria puro exercício diletante. Prefiro partir da historicidade das leis da ciência. Desta forma não admito que uma economia indígena pré-cabraliana seja regida pelas exatas mesmas leis que tocam adiante a bolsa de Nova Iorque (qual a porcentagem dos historiadores marxistas brasileiros que sabem como funciona uma bolsa de valores?), a economia socialista de mercado na China ou os saudosos planos qüinqüenais soviéticos. Tendo a abstração como método e arma metodológica do “se é concreto deve ser analisado pelas suas múltiplas determinações” (historia, geografia, economia, direito, centro-periferia, etc.), posso perceber que apesar de não serem regidas pelas mesmas leis, as economias citadas acima tem um traço em comum: homens vivendo e produzindo de forma social sua vida.

 

 






Logo percebo que as manufaturas holandesas ou inglesas e seus excedentes eram mediados externamente por um chamado capitalismo comercial que tinha Portugal como principal potência. Ora, a contradição entre forças produtivas e relações de produção na Inglaterra, impulsionada politicamente pela Revolução Francesa, só poderia culminar no surgimento de um capitalismo industrial que dispensaria a mediação de Portugal como potência comercial na mediação com a periferia do mundo de então.

 

 




Desta forma, assim, não podemos negar que a fazenda de escravos no Brasil com o instituto jurídico da independência, se transformaria radicalmente num instituto capitalista comercial do lado de fora da fazenda e num latifúndio feudal da porteira para dentro. Assim não seria uma aberração percebermos a convivência de duas ordens jurídicas no pós-1822: reminiscências do direito romano e o surgimento pela via da pressão do latifúndio como empresa comercial de um Código Comercial. A unicidade deste corpo jurídico foi se processando de forma lenta, gradual e segura com a extinção de penas como o vilipêndio e o degredo dando forma a uma legislação utilitarista inspirada em Benthan, tendo como modelo o Código Penal francês. Tal Código Civil foi completado em 1871 com o conceito de crime culposo, completando o corolário jurídico da transição escravismo-feudalismo no Brasil.

 

 

 

 






Logo, a não ser que o materialismo histórico tenha se “virado de ponta cabeça” para corroborar a existência de uma fazenda de escravos capaz de além de produzir para o centro do sistema, produzir ainda alimentos e roupas em escala para uma população em franca expansão. O relaxamento de relações de produção não estava no horizonte? O que significavam essas mudanças qualitativas no âmbito jurídico? Qual a forma de relação atual entre a indústria do imperialismo norte-americano e o restante do mundo? Ou será que o capitalismo financeiro não se tornou a forma mais aguda de dominação do mundo?

 

 







Para o programador econômico: mudança microeconômica e correspondência macroeconômica

 


 



Para o programador econômico saber exatamente a natureza de nossa formação social para compreender  o que Rangel chamava de “natureza da crise”: ela parte das relações externas de produção ou pelas relações internas? Para este tipo de análise não cabe diletantismos historicistas, cabe exatidão, pois a transformação de nossas atuais relações externas de produção é pré-requisito básico para o desenvolvimento das forças produtivas nacionais. Por exemplo, nossas relações externas de capitalismo comercial com a Inglaterra foi caducando, na medida que internamente nossos ciclos substitutivos de substituição de importações (seria um absurdo admitir a existência de ciclos substitutivos de importações com mão-de-obra escrava!!!) deu vigor para o surgimento do que Marx chamava de “Departamento I artesanal” como base física de um Departamento II que por sua vez foi o setor por onde iniciou-se nosso processo de industrialização.

 

 






Assim sucessivamente até chegarmos ao ponto que em que como diz o povo “dois bicudos não se beijam” e o capitalismo financeiro norte-americano, hoje ser um inibidor de nosso processo de industrialização, justamente e internamente por nos impedir que nosso capitalismo financeiro nacional seja aparelhado, da mesma forma que a Inglaterra impedia nossa industrialização ou Portugal lutou contra nossa independência.

 

 






Novamente, para o programador econômico marxista, é indispensável identificar na raíz do processo de industrialização brasileira, a transformação da fazenda de escravos em empresa capitalista comercial e sua respectiva alteração de suas relações de produção internas. Pois somente assim podemos identificar – por exemplo – o porque de nosso país atravessar de tempos em tempos crises cambiais.

 

 




Um programador econômico chinês que para decifrar os diferentes níveis de abertura no litoral chinês deve necessariamente saber da existência neste mesmo litoral de portos abertos e livres  a mais de 200 anos. Assim, como evidência empírica analisemos um programador econômico brasileiro de formação marxista-leninista interessado em equacionar o atual impasse nacional e se depara em nossa história econômica com o fato de entre os anos de 1750 e 1850 o nosso comércio externo ter entrado em declínio notadamente pela decadência do tráfico de escravos e da recomposição de nossas exportações da mineração à agricultura. Por outro lado aparentemente paradoxal, nossa economia expandiu-se satisfatoriamente, amiúde o setor externo de nossa economia ter entrado em declínio.

 

 




Necessariamente deve-se ver o que acontecia com o interior de nossa economia: um extraordinário movimento de substituição de importações no âmbito da fazenda de escravos no qual a atividade econômica voltava-se para a auto-suficiência da fazenda, quebrando, de forma lenta, gradual e segura, o pilar central do modo de produção escravista no Brasil que era a atividade econômica totalmente voltada para o mercado externo. A mudança microeconômica surtida por essa reorganização da produção interna foi a correspondência de uma mudança macroeconômica como resultado do fechamento de nossos mercados externos. Logo a manutenção de formas escravistas de produção deveria ser posta em termo como correspondência ao fator “relações de produção” no âmbito da fazenda, sem o qual tal fazenda tenderia ao aniquilamento econômico levando consigo toda o restante do corpo econômico nacional.  Este mesmo movimento descrito pode ser visualizado por todo o século 20 no Brasil.

 

 




Quero deixar claro com o exemplo acima que é impossível planejar o futuro da economia brasileira longe de estudos sérios de nossa formação social. Daí Ignácio Rangel anunciar já em 1978 a premência de um novo ciclo econômico marcado pela descoberta de novos campos de investimentos, principalmente para nossas infra-estruturas estranguladas com equipamentos fabricados pela nova indústria mecânica pesada ociosa. A fonte de recursos para estes novos campos de investimentos seriam drenados por um sistema nacional de intermediação financeira. Interessante pois hoje lutamos pela redução da taxa de juros. Poucos percebem a historicidade desta luta tática. Poucos sabem que se trata da luta pela fusão do capital industrial com o capital bancário, daí a acreditarem que a volta pequena produção de alimentos é a solução dos problemas do povo brasileiro é um passo…

 

 




Esta verdade só foi descoberta depois de mais de 25 anos e nenhum historiador que trabalha com a hipótese do “não feudalismo” no Brasil até então foi capaz de decifrar tão simples verdade. Marxismo sem levar em conta a determinação econômica é um marxismo no mínimo pobre e indigente.

 

 






Com tantas evidências na história econômica do Brasil no século 20, só posso firmar que houve sim feudalismo no Brasil.

 







A orfandade do marxismo brasileiro

 


 



A hegemonia do pensamento que corrobora com o não-feudalismo brasileiro é concomitante com a hegemonia no pensamento marxista do que Perry Anderson chamava de “marxismo ocidental”, que tem como características a não-responsabilidade de dar conta do processo de acumulação capitalista como parte de um todo que envolve a elaboração de uma estratégia e táticas justas para a tomada do poder.

 

 




Assim, o estudo da economia, ou a análise do processo de acumulação no Brasil e sua relação com o mundo ficou por conta do pensamento estruturalista e keynesiano. Quando a recuperação econômica do final dos anos de 1960 e início os de 1970 demonstrou o esgotamento teórico das análises estruturalistas para o Brasil, o marxismo brasileiro ficou totalmente órfão e buscando bodes expiatórios entre eles a “burguesia associada”, o “agronegócio como apêndice do imperialismo”, etc, etc. Daí a esquerda chegar ao governo do Brasil e adotar o programa do Banco Central foi somente um passo e muitos sociólogos e historiadores marxistas afirmarem que a China está restaurando o capitalismo, outro passo.

 

 




Isso sem falar do espalhamento de preconceitos sob o pensamento de uma marxista como Rangel que destoava do tal marxismo ocidental brasileiro, ou “marxismo paulista”, justamente pelo fato de Rangel ter doado sua vida para entendimento de nosso edifício econômico nacional e a superação de seus impasses. Não conheço nenhum daqueles que criticam abertamente Rangel, o chamando de “mecanicista” ou “dualista” que tenham corrido os olhos em livros como “A Inflação Brasileira” ou “Elementos de Economia do Projetamento”. Aliás corrobora o pouco conhecimento das obras de Rangel, o fato dele inclusive nunca ter chegado nem perto deste marxismo ocidental Made in Brazil, hegemônico na universidade brasileira e principalmente no eixo Rio-SP.

 

 




Enfim, falar em determinação econômica para muitos historiadores que não concordam com a idéia de feudalismo no Brasil, fica parecido com o linguajar dos dialetos existente no oeste da China…

 

 





Perguntas aos defensores do “não feudalismo” no Brasil

 


 



1)      Qual a relação entre a tese “não feudal” e as crises cambiais brasileiras?


2)      Qual a relação entre a tese “não feudal” e a natureza particular da inflação brasileira?


3)      Qual a relação entre a tese “não feudal” e o surgimento de oligopsônios-mopsônios rurais?


4)      Qual a relação entre a tese “não feudal” e a emissão monetária no Brasil?


5)      Qual a relação entre a tese “não feudal” e o surgimento de uma economia natural no seio da fazenda de escravos? (economia natural e escravismo não são correspondentes)


6)      Qual a relação entre a tese “não feudal” e o fenômeno das capacidades ociosas cíclicas nas cadeias produtivas brasileiras?


7)      Qual a relação entre a tese “não feudal” e os ciclos substitutivos de importação primeiro no seio da fazenda de escravos (dica: tem de responder primeiro a questão de número 4) e depois em outros ramos da economia brasileira, sobremaneira pós-revolução de 1930?


8)      Qual a relação entre a tese “não-feudal” e o atraso do surgimento da República no Brasil em detrimento da América Espanhola?


9)      Como a anatomia do macaco só é compreensível a partir da anatomia do homem, como atender as demandas de uma potência capitalista industrial como a Inglaterra, com mão-de-obra escrava? A não ser que os escravos gostassem muito de trabalhar…


10)  Qual a relação entre a tese “não-feudal” e a atual problemática do campo brasileiro e o desenvolvimento do capitalismo no campo?  A saída é o retorno à pequena produção de mercadorias?


11)  Qual a relação entre a tese “não-feudal” e o surgimento de um mercado de terras no Brasil?

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor