Sinais do que virá

A tarefa da reconstrução nacional implica contradições, conflitos de interesses e disputas de rumo.

Foto: Ricardo Stuckert

Um tempo novo é possível a partir da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para um terceiro mandato na presidência da República.

É possível sim. O mundo espera por isso. Os brasileiros e brasileiras mais ainda.

Mas não é previamente garantido. 

A tarefa da reconstrução nacional, assim posta pelo presidente eleito com respaldo do conjunto das forças políticas e sociais que se ajuntaram na frente ampla político-eleitoral vitoriosa, implica contradições, conflitos de interesses e disputas de rumo.

Até onde iremos? Se tivermos um governo “de centro progressista” será ótimo.

Um “governo de centro-esquerda”, com todas as nuances que isto significa? Será excelente!

Mas no meio do caminho tem uma pedra, como diria o poeta.

Essa pedra — a real correlação de forças no conjunto da sociedade, no âmbito dos chamados Três Poderes da República e particularmente no próprio governo (irrecusavelmente de frente ampla, agora alargada mais ainda para dar conta da governabilidade no parlamento) — põe na ordem do dia o conflito entre o velho e o novo.

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Particularmente entre os interesses consignados no acelerado desmonte do Estado nacional promovido por Temer e aprofundado por Bolsonaro versus retomada do desenvolvimento econômico, tendo as atividades industriais como vértice e como subproduto a recuperação de conquistas sociais inadiáveis.

Agora, na fase preparatória do novo governo, que se apoia nas equipes do chamado gabinete de transição, constata-se a disputa de diagnósticos e de proposições e, de modo velado ou explícito, a manifestação de aspirações a ministérios, presidências de grandes estatais e quejandos. 

São sinais do que virá a partir do dia primeiro de janeiro.

Tudo isso é tão natural quanto o sol que nasce todos os dias. Mas requer discernimento, habilidade e espírito prático consequente — especialmente do principal líder do processo, Lula.

Esse filme já passou antes. Os dois primeiros governos Lula e o primeiro governo Dilma acumularam conquistas sociais sem precedentes na história do Brasil. Mas não enfrentaram as disfunções do Estado, que até se agravaram através de uma desastrosa permissividade quanto à legislação infra constitucional.

E a casa caiu, como se sabe, no segundo governo Dilma, que nem soube lidar com o cenário muito adverso no parlamento, nem equacionou corretamente os desafios da economia.

Ao contrário, praticou o confronto em relação a maioria hostil no Senado e na Câmara e agravou a força e os efeitos dos elementos neoliberais persistentes na macropolítica econômica.

O golpe que interrompeu o mandato da presidente Dilma foi fruto principalmente dessas duas variáveis.

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Agora, subjacente ao ambiente do novo governo e no seu entorno, Lula se depara com uma situação internacional crítica, com gravíssima crise econômica e social e se verá atacado pela extrema direita, que perdeu o pleito presidencial mas se mostra forte no Senado na Câmara e se apoia em movimento socialmente extenso e ensandecido por ideias as mais retrógradas.

Em contrapartida, no seio da sociedade, digamos assim, as correntes democráticas e populares têm a responsabilidade irrecusável e imediata de construírem amplo movimento que venha a respaldar o novo governo. 

Não será simples, bem sabemos.

Movimento dessa ordem conviverá, inclusive, com as naturais contradições de interesses e expectativas de classes e segmentos de classe e com a imperiosa necessidade de preservar a relação dialética de apoio e independência por parte das entidades da luta social organizada.

Assim, a possibilidade de um novo tempo é tão grandiosa quanto complexa.

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