Sobras e Ventos

Nessa semana, convidado por dois amigos para uma conversa que se prolongou por umas duas horas, em uma das barracas na praia do bairro da Jatiúca, atento às análises sobre a política nacional e alagoana, ouvia um casal de cantores e instrumentistas.

O som vinha como pano de fundo das nossas vozes. Aos poucos, foi assumindo uma dimensão crescente. A música preencheu o espaço, harmoniosa. Eram canções populares conhecidas universalmente.


 


 Brasileiras ou internacionais todos as conheciam. Nós e as dezenas de turistas, vários de outros países. Paramos e passamos a ouvi-los.


 


 
Eram músicos jovens. Não sou especialista no departamento, mas havia talento nos acordes e nas vozes. Cantavam plenos de entusiasmo, sonhando o futuro, construindo as oportunidades. Voavam rumo a dias mais promissores. Confiantes em que, descobertos por alguém, a profissão que escolheram lhes proporcionasse calor e sustento. Lembrei-me da música interpretada por Milton Nascimento, Bailes da Vida… Todo o artista tem que estar onde o povo está.


 



Havia simplicidade na postura da dupla. Não possuíam padrinhos na mídia. Trabalhavam acreditando que tinham algum potencial. Resolveram começar de onde era possível. Em sua própria terra.
Daí foi que me surgiu à mente uma série de crônicas, escritas alguns anos atrás pelo escritor e ativista uruguaio Eduardo Galeano. Uma delas relatava a trajetória do genial Luís Armstrong.


 



Narrava que o excepcional instrumentista, cantor, iniciou a sua vida, o seu bendito encantamento, pelas ruas de Nova Orleans, vivendo de sobras e ventos. Das sobras, é possível compreender o significado. Dos ventos, fica por conta do talento de Eduardo Galeano.


 



As sobras sem os ventos perderiam o sentido mágico que o autor desejou expressar. Literalmente, entende-se que Armstrong alimentava-se de restos de comida. Às vezes nem isso. Ou seja, passava fome absoluta. Mas o somatório confere à frase uma concretude irretocável.


 



Ele começou de baixo, junto aos seus irmãos deserdados, oprimidos, miseráveis, segregados. Talvez, sem esse calvário, a intimidade com as raízes que eram as suas, não haveria Armstrong. O artista não precisa sofrer como o genial norte-americano. Mas é fundamental amassar o barro do seu chão.

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