Temos de ser intolerantes com a impunidade

O Brasil foi o último país nas Américas a libertar seus escravos e é o único a não punir os crimes de lesa humanidade praticados pela ditadura militar (1º de abril de 1964 – 15 de março de 1985).

Nesses longos 21 anos de trevas, mais de 50 mil brasileiros foram vítimas diretas dos covardes criminosos fardados que cometeram crimes contra a humanidade: começaram subvertendo a ordem constitucional ao rasgar a Constituição de 1946, que juraram um defender e cumprir, depondo pela força o presidente da República João Goulart, constitucional e legalmente eleito pelo povo brasileiro; cassaram mandatos de parlamentares eleitos democraticamente; prenderam ao arrepio da lei, baniram, demitiram, sequestraram, torturaram, estupraram, mataram, ocultaram os corpos de centenas de patriotas e continuam mentindo. Pior: continuam impunes apesar de muitos indícios e incontáveis e irrefutáveis provas testemunhais e documentais.

A cada dia mais provas contra as mentiras dos generais golpistas vende-pátria são mostradas à sociedade brasileira. As mais fajutas versões apresentadas pelos militares golpistas são desmascaradas. Em novembro de 2010 a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA colocou o Brasil no banco dos réus e condenou o País pelo desaparecimento de 62 militantes do PCdoB na região do Araguaia. A CIDH ordenou a investigação e punição dos crimes cometidos por agentes da repressão da ditadura militar. Até o momento, nenhum criminoso militar ou civil foi exemplarmente punido.

Uma a uma as mentiras dos militares golpistas vão sendo desmascaradas. Um dos casos mais emblemáticos é do jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura nas dependências do DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, em 25 de outubro de 1975. A versão apresentadas foi de suicídio por enforcamento, inclusive essa aberração constava nos seu atestado de óbito. Todos sabiam que essa versão era a mais pura deformação da verdade.

Felizmente, para gáudio da família, dos amigos, dos democratas e amantes da verdade essa farsa foi desmascarada definitivamente pela Justiça de São Paulo, e a viúva Clarice Herzog recebeu na última sexta-feira 15 o novo atestado de óbito apontando como causa da morte lesões e maus-tratos sofridos por Herzog durante interrogatório numa dependência do II Exército, há 38 anos. Na época ele era diretor de jornalismo da TV Cultura.

A versão de asfixia mecânica por enforcamento indicando que Vlado teria cometido suicídio foi desmascarada no mesmo dia pelo então presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Audálio Dantas, e pelo rabino Henry Sobel que contestou a versão oficial. Por ser judeu, Vladimir, em caso de suicídio teria de ser enterrado com os pés voltados para o muro do cemitério o que não aconteceu devido à coragem do rabino. Sete dias depois, no culto ecumênico na Catedral da Sé, mesmo diante de grande aparato militar e de ameaças de morte, Audálio e outras lideranças denunciaram e responsabilizaram os militares pelas torturas e assassinato do jornalista.

Há 40 anos outro democrata era morto sob as mais cruéis torturas nas dependências do DOI-Codi em São Paulo e a versão apresentadas pelos criminosos fardados foi de atropelamento. Trata-se do estudante de Geologia da USP, Alexandre Vannucchi Leme, então com 22 anos, que teve o corpo enterrado numa vala do cemitério de Perus (São Paulo), em um buraco forrado de cal para acelerar a decomposição.

O novo atestado de óbito de Vladimir Herzog foi entregue à sua viúva e aos dois filhos Ivo e André durante a cerimônia no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo da Caravana da Comissão Nacional da Anistia, presidida pelo advogado e secretário-executivo do Ministério da Justiça, Paulo Abrão. Na mesma ocasião foi dada a declaração de anistia política post mortem ao estudante Alexandre Vannucchi Leme que era estudante da USP em março de 1973 quando foi brutal e covardemente assassinado.

Todas as versões apresentadas pelos militares golpistas sobre a morte de adversários do terrorismo de Estado são mentirosas. Casos como o atentado do Riocentro, em 30 de abril de 1981, desmascaram a versão oficial que chega a ser hilariante dada a sua estupidez. Mas muitos casos precisam ser esclarecidos e dado publicidade para que toda a nação saiba dos horrores que aconteceram naquele nebuloso período, verdadeira tragédia nacional.

O mais escabroso foi o fato narrado pelo ex-delegado do DOPS Cláudio Guerra, um dos policiais mais truculentos e poderosos a atuar na repressão do regime militar entre as décadas de 70 e 80 do século passado. Ele confessou ter assassinado mais de 100 e declarou ter levado pessoalmente o corpo de dez militantes políticos mortos sob tortura para serem incinerados nos fornos de uma usina de açúcar no interior do Rio de Janeiro.

Atualmente com 72 anos de idade – ele é pastor evangélico, tendo se convertido na cadeia enquanto cumpria pena pelo assassinato de um bicheiro no estado do Espírito Santo – Guerra confirmou a existência de vários centros de tortura e assassinato, como a Casa da Morte, em Petrópolis, na região serrana fluminense. E narrou que todos os corpos de presos políticos chegavam seminus, castrados e com fraturas expostas. Esse e outros casos escabrosos estão contados por Cláudio Guerra no livro Memórias de uma Guerra Suja, dos jornalistas Marcelo Neto e Rogério Medeiros.

Igualmente carecem de esclarecimentos as mortes dos ex-presidentes João Goulart e Juscelino Kubitscheck. A família de Goulart já autorizou a exumação do corpo dele para autópsia, pois tem certeza que ele foi envenenado, conforme declarou um agente da repressão uruguaia. A versão oficial é de morte por ataque cardíaco. A versão do acidente do carro de JK com uma carreta apresentada apelos militares também ainda hoje é contestada. Há quem afirme que tudo foi arquitetado pela chamada linha dura que pretendia eliminar fisicamente todas as lideranças políticas civis do país.

Diante de todas essas aberrações, das covardes torturas e assassinatos é que a Lei da Anistia de agosto de 1979 precisa ser revista ou revogada para que todos os crimes sejam apurados e os responsáveis exemplarmente punidos como está acontecendo na Argentina onde ex-ditadores, generais e outros oficiais criminosos estão sendo processados e condenados, alguns deles à prisão perpétua como é o caso do general Jorge Rafael Videla, condenado a duas prisões perpétuas e mais 50 anos .

Temos de ser intolerantes com a impunidade. Chega de impunidade!

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