Três fatos relevantes no Oriente

Esta não será a primeira, e provavelmente nem a última de minhas colunas que sou obrigado a tratar de três temas simultaneamente relacionados com o Oriente Médio, na medida em que todos são relevantes.

Trata-se de uma grande onda de atentados a bomba no Iraque – praticados por mulheres –, o reinício do julgamento do Partido do governo, AKP na Turquia pela corte constitucional e a declaração de Olmert de que paz mesmo na Palestina este ano nem pensar. E, ainda que na aparência possam não estar relacionados, tem tudo a ver dentro de um contexto global.


 


 


O AK da Turquia pode ser banido?


 


 


A Turquia não é propriamente meu foco de estudos e análises, mas, como um país com 99% de sua população muçulmana, como tendo sido sede do califado do império Islâmico por quase 600 anos, ela tem importância para todos que estudam o mundo árabe e o Oriente Médio.


 


 


A Turquia é um país interessante. Destoa completamente de todos os países islâmicos. Desde a grande reforma feita em 1923 por Mustafá Kemal, conhecido como Ataturk (pai dos turcos), que perdurou até 1938, quando de sua morte, ele implantou as mais profundas mudanças nesse país asiático. Ocidentalizou completamente a nação turca, passou a usar o alfabeto ocidental e garantiu a maior laicidade jamais vista em país islâmico. Todas as instituições foram completa e radicalmente separadas da Igreja, do Islã. E colocou o exército como o maior e mais fiel guardião dessa reforma. Tanto isso é verdade, que nesses 85 anos que completarão este ano da implantação da moderna Turquia, o exército teve que intervir em pelo menos quatro ocasiões, perpetrando golpes de estado. Foram elas em 1960, a primeira vez, seguidas de 1971, 1980 e a última em 1997.


 


 


O que vem ocorrendo hoje? O Partido que governa a Turquia já há alguns anos, é o Partido Justiça e Desenvolvimento, cuja sigla é AKP, do atual primeiro Ministro Recep Tayyip Erdogan, que detém a maioria esmagadora dos deputados no parlamento turco (340 de um total de 560 membros, ou 60,7%). Essa maioria permitiu que, pela primeira vez em décadas, o presidente do país, um cargo decorativo, fosse do mesmo partido do primeiro Ministro, que é o atual Abdulláh Gul.


 


 


A voz corrente no país é que esse partido, o AKP, é islâmico, ainda que moderado e estaria com planos de restabelecer no país a volta de uma teocracia, ainda que moderada. Isso contraria os princípios da constituição e vem gerando desconfiança forte nos quadros e na alta oficialidade do exército. A prova disso teria sido a recente tentativa de derrubar a proibição do uso véu islâmico por estudantes nas Universidade turcas, proibição essa que vigorava desde 1989. A tentativa de mudança ocorreu em fevereiro passado, foi vencedora no parlamento, mas o Tribunal Constitucional derrubou a medida, garantindo a proibição do véu em Universidades.


 


 


A Turquia é o único país da Ásia a integrar a chamada Aliança Atlântica, a OTAN, organismo militar da época da Guerra Fria, formado após a 2ª Guerra Mundial para manter certo equilíbrio de forças militares no teatro de guerra da Europa. O grande sonho da Turquia é integrar a União Européia. Desde 1995, quando Samuel Hungtinton escreveu o seu famoso Crash of Civilization (Choque de Civilizações), ele dizia que na prática a Turquia fazia um jogo errado, virando as suas costas ás suas tradições e ao seu povo, modificava-se com o intuito de integrar um continente – o Europeu – a que não pertencia. Isso é ainda fortemente sentido, ainda que tenha hoje conteúdo mais econômico do que cultural.


 


 


No final de semana passada, um grande atentado em Istambul deixou 17 mortos e mais de 150 feridos. A coincidência política é que no início desta semana o Tribunal Constitucional da Turquia retomou o julgamento de uma representação da Procuradoria da República que pede o registro do partido AKP e de todos os seus deputados e dirigentes, governantes. Se isso ocorrer mesmo, a cassação for deferida, uma verdadeira crise política e institucional vai se abater sobre o país, pois todos os seus dirigentes ficariam inelegíveis por cinco anos, incluindo o primeiro Ministro, o presidente e todos os deputados. Abriria um vácuo de poder nunca antes visto. As eleições que deveriam ocorrer somente em 2011, aconteceriam imediatamente e outros partidos, sem a mesma popularidade que o AKP sairiam na frente na disputa. Um final imprevisível.


 


 


É verdade que tudo pode acontecer nesse julgamento e, como se diz no Brasil, tudo pode acabar em pizza. Mas, não nos esqueçamos que a mesma corte constitucional cassou dois partidos sob os mesmos argumentos de que seriam partidos religiosos, islâmicos, o que é proibido. Foi o caso do Partido da Prosperidade, cassado em 1998 e o Partido da Virtude, cassado em 2001.


 


 


Olmert confessa: a paz não virá este ano


 


 


Os que acompanham esta coluna lembra-se da Conferência de Annapolis, nos Estados Unidos no ano passado em novembro, tentando estabelecer um calendário de paz para a Palestina, onde estava previsto acordos de paz que envolveriam inclusive a questão de Jerusalém. Tal conferência ocorreu sob os auspícios do presidente americano George W. Bush. Nós, como sempre, duvidamos e dissemos que a paz não ocorreria, por fatores diversos que não vem ao caso rememorar agora.


 


 


Pois desta feita, pela primeira vez de forma pública, o enfraquecido Ehud Olmert, primeiro Ministro de Israel, admitiu no início desta semana perante o parlamento israelense que o calendário para a paz, ainda este ano esta comprometido e que não deve ocorrer. Confessa publicamente o fracasso dos processos de paz patrocinados por Bush, que termina o seu mandato em janeiro de 2009.


 


 


Olmert afirmou que é possível que se chegue a alguns pontos de consenso, mas descartou a questão de Jerusalém como capital dos dois Estados. Do lado da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas descartou qualquer possibilidade que não discutisse Jerusalém, ainda que tratasse de fronteiras da Cisjordânia e mesma a volta dos refugiados.


 


 


Em meio a essa confissão público, que confirmava o que dizíamos ano passado, vejo com tristeza a luta entre as duas maiores facções políticas que atuam entre o povo palestino, o Hamas e o Fatah. Prisões são feitas na Faixa de Gaza, onde o Hamas é forte (fala-se em mais de 200 militantes do Fatah presos) e na Cisjordânia (onde o Fatah é muito forte e prendeu mais de 20 do Hamas). Uma pena que isso ocorra quando essas duas organizações políticas tinham que estar unidade para combater o inimigo comum.


 


 


Ataques voltam com força no Iraque


 


 


Quando a imprensa alardeava uma calmaria no Iraque ocupado por tropas americanas e inglesas (quase todos os outros países já se retiraram do Iraque), a capital do país e outras duas grandes cidades no interior foram alvos de atentados a bomba praticados por mulheres-bombas que mataram pelo menos 57 pessoas e feriram outras 300.


 


 


Os ataques, ocorridos na última segunda-feira, ocorreram junto a peregrinos que participavam das comemorações da morte do Imã Moussa Al Kadhim, considerado o sétimo Imã do xiismo e falecido no ano de 799. Depois de Bagdá, onde o ataque foi maior, a cidade que mais sofreu com as perdas foi a de Kirkut, ao norte, região do Curdistão. Os atentados usando mulheres-bombas vêm aumentando exponencialmente. Se em 2007 foram ao todo apenas sete, só este ano foram 27 atentados.


 


 


As mulheres vêm sendo recrutadas pela liderança da resistência para essas operações de ataque, usando seus corpos, pelo fato que as mulheres são menos revistadas nas barreiras, cujos soldados são esmagadoramente homens. Isso facilitaria com que elas pudessem burlar a segurança com mais facilidade, escondendo debaixo de suas vestes as bombas da operação de guerrilha.


 


 


Pode ser a volta do recrudescimento dos ataques contra alvos do governo e mesmo parte da população, para que se volte contra os ocupantes. É claro que isso tem sempre uma possibilidade de se voltar contra a resistência em termos da opinião pública. Os próprios ocupantes, o governo e o embaixador americano já saíram falando em seguida que “todos devem se unir contra o terrorismo” e outros discursos de patriotada. Vamos monitorar os desdobramentos desses ataques.

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