Uma triste figura

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Certa vez ouvi uma história muito curiosa. Sempre gostei de ouvir histórias, por isso a literatura ocupa um lugar tão especial em minha vida. Muitas vezes registro essas histórias motivado, ora pelo espanto, ora pelo alumbramento, como destacou tão bem o poeta Manuel Bandeira. Jorge Luis Borges, por outro lado, afirmava que seus contos nasciam sempre de um sonho, ou de um pesadelo.

Pois bem, seja qual for a origem do impulso que transforma tudo em palavras, vamos à história. Tratava-se de uma mulher suave e delicada, uma pessoa inteligente e culta, que tinha uma relação amorosa com uma colega sua de trabalho. Ambas se amavam profundamente até que aconteceu uma traição. Dulcinéia, esse era o seu nome, ficou indignada e furiosa. E, como era seu estilo, armou um barraco.

Fez a maior confusão, chegou até mesmo a acionar a polícia. Seu ciúme doentio a levou a desconfiar da própria sombra.

Ninguém lhe parecia suficientemente confiável. Ao mesmo tempo, era incapaz de desfrutar qualquer momento de felicidade. A alegria lhe parecia algo que não lhe dizia respeito. Uma espécie de proibição atávica e, por conseguinte, negava-se a aceitar que as outras pessoas pudessem desfrutar tal sensação sem culpa e de maneira descontraída.

Tentou alguns relacionamentos com homens, pois tinha dificuldade em admitir que gostava de mulheres. Combatia os preconceitos, mas ela própria não conseguia superá-los através de suas atitudes e de suas decisões. A par disso, sonhava em ter filhos, em se ver continuada em outros seres, outros espíritos. Esse sonho seria difícil de realizar, pois ela teria primeiro de encontrar um homem e se entregar inteiramente a ele.

Costumava ser implacável com quem não se submetia aos seus caprichos e obsessões. Destilava então todo o seu ódio, seu rancor e suas frustrações. Seu notório complexo de inferioridade agigantava-se e se transformava em necessidade de destruição, numa busca incansável pela aniquilação do outro. Advinha daí um prazer mórbido pela repetição obsessiva.

Felizmente, ela está agora momentaneamente equilibrada, de bem com a vida e satisfeita. Goza dos presentes que o destino lhe deu. E sem dúvida será feliz. Para todo o sempre.

Mas, pensei, de que me servem essas histórias? Para que as escrevo? Provavelmente para repensar a minha própria vida e as minhas atitudes; para compreender melhor o outro e a mim mesmo, sabendo que compreender implica inevitavelmente em perdoar. É difícil perdoar sem compreender, mas quase impossível compreender sem perdoar. Um desafio que o senso de ética e de totalidade nos impõe.

Nesse sentido escrever e ler são ferramentas importantes para transcender a si mesmo e, apesar das amarras cotidianas, alçar voos, para além dos fatos objetivamente vividos. Para Ortega y Gasset, viver é simplesmente fazer uma coisa ao invés de outra. Nesse caso, o fundamental seria viver uma vida que fosse algo acima da tragédia fútil ou da desgraça íntima. Ali se encontraria a paz interior e a felicidade.

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