Universalismo e Ações Afirmativas: Dois princípios que se complementam

Após a 3ª Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, organizada pela ONU, em 2001, na África do Sul, Durban, crescem no interior do Movimento Negro pensamentos que antagonizam dois princípios de polít

Na verdade essa antagonização é uma construção ideológica com base pós-moderna, conservadora e, invariavelmente, liberal, renega o conceito de classe social, superdimencionam as especificidades, as próprias especificidades sofrem subdivisões e fragmentações para adequar o alcance da focalização das políticas públicas.


           


 


Acreditam na possibilidade de superação do racismo através da formação de uma elite econômica, intelectual e política de pele negra, capaz de questionar a hierarquia racial existente no Brasil e superar o racismo, pois essa elite provaria a capacidade do elemento negro em se desenvolver em todos aspectos da vida humana. Subliminarmente estão respondendo, no presente, a antiga teoria científica – subjacente no pensamento racista atual – que defendia a incapacidade natural do negro, resposta compreensível, porém anacrônica. Ao invés de trabalhar para conquistar justiça social e econômica na sociedade, onde todas as ordens de hierarquias sociais sejam superadas, buscam a igualdade racial. Na igualdade racial pode existir negros ricos, milionários, classe média, pobre, assim como há brancos, ou seja, as desigualdades entre ricos e pobres podem sobreviver se democratizar racialmente o poder.


  


 


Dando resposta a questão: “Como podemos incluir os índios e os negros – minorias historicamente discriminadas – ao gozo da cidadania e das benesses socialmente produzidas?”, apontam caminhos contraditórios a Declaração de Durban. Isso ocorre porque erroneamente compreendem que a mais fundamental contradição social brasileira é a relação entre as raças, ignorando que o interesse e a luta de classes sustentam a divisão racial brasileira, embora culturalmente o racismo adquiriu acentuada autonomia, visto que a estrutura econômica se cristalizou em mãos brancas; que a contradição racial explica a existência entre ricos e pobres no Brasil; que as políticas de caráter universalista fracassaram na tentativa de superar as desigualdades entre negros e brancos no campo do trabalho e renda, educação, acesso a saúde, expectativa de vida e participação política. Defendem que para superar as desigualdades sócio-econômicas entre os brasileiros, o Estado deve oferecer políticas de ações afirmativas em detrimento das políticas universais. No Programa de Ação aprovado em Durban há recomendações contrárias as defendidas pelos representantes do pensamento pós-moderno no movimento negro, pois, também, instam os Estados a oferecer políticas públicas de ordem universais: combate a pobreza, oferecimento de saúde pública com qualidade, investimento em educação, etc, orientação que não teve sanção do império americano e desagradou os neoliberais.


  


 


O exclusivismo da focalização constitui-se numa lógica antimarxista, pois retira do Estado a prerrogativa de atender as demandas sociais indistintamentente, bem como atuar na busca do bem comum, prevalecendo a lógica meritrocrática, cujo significado encontramos na teoria darwinista: o mais forte e mais capaz sobrevive e tem o direito natural de subordinar o outro. Além de caminhar ao encontro da recomendação do Banco Mundial, que na defesa do neoliberalismo, do Estado Mínimo e não interventor, propaga o fim da universalidade das políticas sociais; a privatização dos serviços de saúde, educação, previdência, infra-estrutura; sobrando ao Estado o atendimento focal aos grupos fortemente miserabilizados ou em eminente risco social.


  


 


O choque entre o princípio universalista e focal, através das ações afirmativas é uma construção recente, se distancia da origem e da razão dessa forma de focalizar a intervenção pública. As ações afirmativas nascem na década de 30 do século passado, nos Estados Unidos, para proteger sindicalistas ou operários sindicalizados, esses quando discriminados – através de demissão e/ou imobilidade profissional – era protegidos pela lei, cabendo ao empregador acendê-lo ao posto que ocuparia se não fosse vítima de discriminação. Nesse caso, as ações afirmativas visavam corrigir ou reparar um prejuízo imposto por um tratamento social diferenciado. Todos os direitos e prerrogativas trabalhistas mantinham-se. A evolução do conceito não se rivalizou com o universalismo, ao contrário, tendo como princípio o tratamento desigual aos desiguais buscando a igualdade, complementa o objetivo que persegue a política universal, onde as diferenças (raça, sexo, etnia) não são utilizadas para construir desigualdade, há impessoalidade na busca de melhores condições de vida a população.


  


 


As políticas de ações afirmativas se aplica na no âmbito econômico, social, político, cultural, está submetida as dinâmicas que se estabelecem nas sociedades cujas minorias são marginalizadas. Enquanto o universalismo interfere indistintamente sobre as populações, a ação afirmativa é focalizada, com objetivo de reparar as insuficiências da universalidade e as conseqüências negativas dos “erros de percursos” históricos. Por isso é essencialmente incompleta pontual e temporária. Constitui-se uma falsa polêmica a antagonização desses dois princípios de políticas públicas, pois eles se completam em sociedades em que as minorias são marginalizadas. Como é contraproducente acreditar na inocência da elaboração pós-moderna, essa falsa polêmica é um meio que o imperialismo encontrou de penetrar em sociedades sob as mais variadas contradições (classe, religiosa, gênero, raça, etnia, castras sociais, dentre outras) e influenciar os pensamentos sociais em conflito.  

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