Vavilov e o centro de diversidade de espécies no Brasil – parte 2

Um grande patrimônio genético de que dispõe a humanidade se encontra na região que abrigou a civilização asteca. A Serra de Manantlan, com aproximadamente 140 mil hectares de extensão, foi instituída pelo governo mexicano como reserva biológica de Zea diploperennis (teosinto diplóide perene), um parente silvestre do milho, monitorado frequentemente para verificar o risco de extinção dos acessos. 

Essa reserva é, portanto, um exemplo típico de banco de germoplasma in situ, fundamental para garantir o futuro do milho e das gerações que vivem dele.

Na história da humanidade temos inúmeros exemplos de catástrofes decorridas justamente por vulnerabilidades genéticas, em que espécies cultivadas introduzidas não dispunham de variabilidade genética suficiente para, entre outras características, tolerar ou resistir a surtos de doenças ou pragas. Entre os casos mais impressionantes ganha destaque a fome na Irlanda, em 1948, devido à epidemia da requeima (Phytophthora infestans) na cultura da batata inglesa (que, diga-se de passagem, é sul-americana, originária da região andina). Também a dizimação dos campos de trigo (originário da Etiópia e Ásia Menor) nos Estados Unidos devido à proliferação da ferrugem-do-colmo-do-trigo (Puccinia graminis), em 1947, e a devastação de milhares de hectares de milho híbrido portador do citoplasma T de macho esterilidade, cultivado principalmente nos países africanos, em razão do surto de helmintosporiose (Helminthosporium maydis) ocorrido em 1970 e 1971, são exemplos marcantes do perigo de não se adotar uma firme e ampla política de salvaguarda do banco genético de cada país.

Por tudo isso, o Brasil deve adotar uma política de Estado para defender suas sementes, dispondo-as para promover sua agricultura e a integração com os países (sobretudo os de mesmo centro de diversidade, ou seja, latino-americanos), e não para o monopólio das transnacionais.

Outro importante monopólio a ser quebrado é o do arroz e feijão no prato dos brasileiros. Pode parecer até uma heresia, mas incrementar uma dieta básica mais diversa, que deixe de ser tão-somente alvinegra (feijão e arroz) para se tornar mais multicolorida, que considere várias outras espécies que são produzidas em abundância em nosso solo, é tarefa imediata a ser perseguida. Tão importante como garantir que o brasileiro faça três refeições por dia, como corretamente prega nosso presidente, é fundamental também que se coma bem. Diz a canção que “se farinha fosse americana, mandioca importada, banquete de bacana, era farinhada”. Em outras palavras, damos pouco valor às nossas espécies e somos pautados pela lógica do capital que cada vez mais vai uniformizando hábitos, costumes e até mesmo a nossa própria alimentação, em razão do mercado único global.

Quem já comeu um prato que se alastra pelas cercas de Minas Gerais conhecido por Ora-pro-nobis ou Lobrobro e é capaz de trocá-lo por outra iguaria, apesar de ser tratado como um “mato”? E as nossas abóboras e demais cucubirtáceas que se alastram por nosso solo e é tida no imaginário popular como “comida de porco”? O abacate é servido como salada por nossos vizinhos latino-americanos e quantas vezes bebemos ao menos uma vitamina com essa fruta por ano? Para citar apenas esses três alimentos, todos têm em comum as seguintes qualidades: são produzidos em abundância, possuem enorme qualidade nutricional e os seus centros de diversidade estão em nosso continente. Estudos recentes mostram que a Abóbora, por exemplo, era cultivada no Peru há quase dez mil anos!

Os Mc Donald’s espalhados pelo mundo oferecem uma infinidade de hambúrgueres que mais parecem feitos de plástico e com sabor de isopor. Já no comércio popular (infelizmente em poucos redutos) ainda se pode encontrar um guaraná ralado na grosa ou um tacacá servido na hora. Mas até quando resistiremos a essa ofensiva padronizadora?

Tudo isso faz parte da guerra do grande capital para impor suas espécies em detrimento de outras; para apontar os rumos da agricultura em todo o planeta, capaz de fornecer matérias primas às suas grandes cadeias produtivas; para se plantar maiores áreas de uma determinada cultivar estrangeira em solo nacional, desprestigiando as que aqui nasceram. Por isso a propaganda contra o amendoim, o preconceito aos que comem batata-doce e as lendas venenosas sobre tantas outras espécies. Manga com leite pode até fazer mal àqueles que se empanturram comendo frituras nos balcões dos Mc Donald’s e afins.

Não se trata, repito, de um grito histérico contra as espécies que Vavilov classificou como não sendo sul-americanas. Todas as espécies exóticas são muito bem-vindas e mais que isso, necessárias. Devemos querer ser um jardim botânico da biodiversidade (como querem os EUA). Mas isso sem passar por cima das espécies que se desenvolveram, ao longo de milhares de anos, em nossa região. Estas, por sinal, devem ser mais pesquisadas e prestigiadas entre nossos agricultores. Talvez tenha sido esse o maior legado de Vavilov para a agricultura de todos os países e povo.

O matuto, do seu jeito, sempre soube disto tudo.

Referências consultadas:

BORÉM, A. Melhoramento de plantas. 22 edição, Viçosa: Editora UFV, 1998, 453 p.

VAVILOV, N.l. Studies on the origin of cultivated plants. Leningrad: Institute of Applied Botany and Plant

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