Vendo o cinema de Jonas Mekas muitos anos depois

O impacto do cinema vanguardista de Jonas Mekas e sua abordagem “doméstica” em filmes que transcendem a realidade.

O cineasta Jonas Mekas | Foto: Boris Lehman/Divulgação

Jonas Mekas é um cineasta que nasceu no pequeno país da Lituânia em 1922. Viveu e trabalhou com base nos Estados Unidos e morreu em Nova York em 2019. Claro que sempre foi considerado como um artista norte-americano. Seu cinema é inteiramente de vanguarda e não tem praticamente relacionamento com Hollywood. Nos anos 70 fez sucesso e um pouco do seu cinema chegou ao Brasil. Mas eu na verdade só o conhecia superficialmente. Talvez tenha assistido a um trabalho dele. Agora com a existência de sites como o Making Off vi cinco filmes de sua produção nessa semana.

Eu tenho realmente inveja dos críticos que vivem e trabalham hoje com essas novas oportunidades. Assim, o crítico e simplesmente um cinéfilo não fica obrigado a ver o que o comércio da distribuição cinematográfica lhe traz.

O cinema de Jonas Mekas poderia ser chamado de ‘doméstico’ pelos temas que aborda e pela estrutura da forma em que apresenta sua narrativa. Portanto, não é um cinema para atrair grandes plateias. Entretanto o nível estético da sua construção é excelente. Eu o chamo de cinema ‘doméstico’ porque embora ele apresente filmes sobre a Lituânia, sobre John Lennon, sobre Allen Ginsberg e Andy Warhol – claro que todos esses são temas naturalmente populares –, a forma como cada filme aborda essas figuras é de maneira ‘doméstica’. É como se Jonas Mekas estivesse fazendo filmes sobre seus parentes e amigos. A visão é doméstica, embora a forma seja corretíssima como produção cinematográfica. Evidentemente,  é por isso mesmo que seu cinema não chega fácil ao campo da exibição.

Dos que estão sendo exibidos agora pelo Making Off, o menos doméstico talvez seja o que se chama As Armas das Arvores (Guns of the Trees) e conta também uma estória de uma pessoa personagem e não de uma personalidade. É um drama montado. A linguagem é a mesma dos demais filmes dele. Quase como se estivéssemos vendo uma arte ‘abstrata’. Não tem relação direta com a realidade concreta que o ser humano conhece. Não é o cinema na forma que Hollywood nos apresenta. Mas o que é fundamental é o senso coloquial que o filme desenvolve e ao mesmo tempo o claro equilíbrio rítmico. As cenas não se perdem de uma para a outra, embora nem sempre estejam ligadas pelo chamado conteúdo.

Outro filme é Scenes from Allen’s Last Three Days on Earth as a Spirit. Um autêntico documentário sobre a cerimônia budista que foi feita para Allen Ginsberg para o seu sepultamento. Também não tem uma linguagem realista, mas consegue emocionar e inclusive perturbar o espectador pelos momentos em que um senhor prepara o corpo para ser conduzido para o velório e prosseguindo pelos cantos e orações entoadas.

Aliás, temos que destacar como no cinema de Mekas o som é algo tão fundamental quanto a imagem. A estória possível do filme é narrada não pela imagem, mas por um poderoso conjunto de som e imagem. E outro elemento permanente nesse cinema é o humor. Há um clima de ironia, de humor divertido, de entendimento, e sempre com uma mostra de extrema inteligência.

Ainda temos no Making Off um grupo de cinco curtas num bloco, que pode ser tido como uma amostra de uma forma de fazer cinema sem realismo. Romântico e muito especial é o documentário, ou então podemos chamar de cinema poético sobre sua terra, a província da Lituânia e seus parentes. Em outro, com pequenas cenas com as presenças de Andy Warhol e John Lennon, o cineasta consegue formar dois bons momentos fílmicos sobre essas duas figuras famosíssimas do mundo artístico. E isso é importante, saber aproveitar uma cena para manter o clima de expectativa de uma obra. A cena com Warhol é quase que só de uns dez segundos. E no filme sobre o aniversário de Lennon ele mostra outra cena de talvez cinco segundos em que os dois – Lennon e Yoko Ono – mostram a bunda.

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