Vendo o Senado – Memórias póstumas de ACM
As disputas intestinas pelo legado político e econômico (principalmente) do ex-presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (DEM-BA), estão sendo acompanhadas por uma comissão da Casa. Na semana que antecedeu feriados católicos, o Senado teve atividade
Publicado 24/03/2008 10:02
Ao contrário do Brás Cubas machadiano, o todo poderoso Antonio Carlos Magalhães teve filhos a quem transmitir o seu legado que, longe de ser de misérias, herdou e acumulou ao longo de dezenas de anos de poder na Bahia e no país. Afora a senatoria, deixada a ACM Júnior, seu suplente, e a cadeira da Câmara ao neto (seu grupo político garantiu a eleição de ACM Neto deputado federal), os descendentes disputam agora na Justiça a partilha das riquezas, inclusive as 15 empresas da Rede Bahia, quadros de Portinari, Di Cavalcanti, Pancetti, Djanira, Carybé; coleção de santos barrocos etc.
No dia 11 de março, um oficial de Justiça, acompanhado da Polícia Militar, entrou na cobertura tríplex do edifício Stella Maris, no bairro da Graça, em Salvador, onde mora a viúva Arlette, de 78 anos. Ela não estava quando o grupo chegou. Chaveiros abriram as portas. O grupo passou quase sete horas catalogando objetos. A família pediu o afastamento da juíza auxiliar da 14ª Vara da Família, Fabiana Andrea, esposa do deputado federal Nelson Pellegrino (PT-BA), que autorizou a diligência no apartamento. Pellegrino reagiu: “Não tenho interferência sobre o trabalho de minha esposa”.
ACM já não circula com o andar vagaroso pelos corredores do Senado, amparado por seus assistentes ou por seu neto deputado, que vinha do tapete verde ao azul aconselhar-se com o ascendente poderoso. Mas, mesmo do jazigo da família, continua prestando serviços aos políticos conservadores, que tão bem representou e liderou em vida. Na sessão da votação do Orçamento, 11-12 de março, o episódio da disputa familiar ganhou contornos políticos do Senado, usado pela oposição para ir prorrogando o momento da decisão orçamentária. Marconi Perillo (PSDB-GO) pediu um “pela ordem” para se somar “a todos os senadores que manifestaram a sua justa solidariedade à Srª Arlete Magalhães” e partir para a ilação: “O fato de a juíza que concedeu a liminar autorizando a invasão à casa da Srª Arlete Magalhães ser esposa de um parlamentar, um parlamentar do PT, que ao longo de toda sua vida fez oposição à família nos deixa extremamente apreensivos em relação aos rumos que estão sendo tomados no Brasil em relação a esse tipo de atitude”… Na esteira, Papaléo Paes (PSDB-AP) falou até da “brutalidade” de que teria sido vítima a viúva. Heráclito Fortes (DEM-PI) classificou a ação judicial de “brutalidade política”. Efraim Morais (DEM-PB) disse que foi “a polícia do Governo do PT, na Bahia”, que invadiu o tríplex. Romeu Tuma (PTB-SP), que na chefia da Polícia Federal em terras paulistas tantos serviços prestou à época da ditadura militar, disse que “a conduta correta seria o oficial de Justiça procurar cumprir a ordem judicial sem a força policial, até que houvesse uma negativa ou um enfrentamento”. Não levou em conta que a filha Teresa havia ingressado na semana anterior com uma ação pedindo a avaliação dos bens do senador; dois dias depois a juíza Fabiana concedeu a liminar que dava um prazo de 48 horas para que Arlette prestasse todas as informações pedidas pela filha; no dia 10 dois oficiais foram à casa da viúva, mas ela não estava; voltaram no dia seguinte e, sem encontrar a proprietária ou empregados no apartamento, mas com a autorização da juíza, entraram com a ajuda dos chaveiros.
O líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR) acusou os senadores de se aproveitavam do episódio para “catimbar” a sessão como forma de impedir a votação do Orçamento. José Sarney (PMDB-AP) solicitou, depois, que Jucá retirasse dos Anais da Casa sua denúncia e se solidarizou com a família ACM. Ao fim e ao cabo, o presidente Garibaldi nomeou uma comissão, integrada pelos líderes do DEM, José Agripino (RN), do PSDB, Arthur Virgílio (AM), e do PT, Ideli Salvatti (SC), para acompanhar o assunto.
Crise de identidade na CPMI dos Cartões
No primeiro dia de depoimentos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Cartões Corporativos, dia 18, o ministro do Planejamento do governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Paiva, disse que, quando esteve no cargo (abril/1998–março/1999), os cartões foram implementados para a compra de passagens aéreas à vista. “Não conheço as razões pelas quais se permitiu o saque por meio dos cartões”. Antes dele, o procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União, Marinus Eduardo Marsico, sugeriu a suspensão do uso dos cartões e criticou seu uso sigiloso. Ele já apresentou ao TCU que suspenda o uso dos cartões, mas a representação ainda não foi julgada pelo ministro relator Valmir Campelo. Depois do procurador, falaram Vanda Lídia Romano Silveira, Jorge Pereira de Macedo, Marcelo Luiz de Souza da Eira, todos técnicos do TCU. Eles fizeram um relato sobre as auditorias realizadas pelo órgão nas despesas do governo com cartões corporativos. Álvaro Dias (PSDB-PR) reclamou da condução da CPMI (presidida pela sua correligionária, Marisa Serrano – MS) ao impedir, até o momento, a quebra dos sigilos. O relator da CPMI, deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), valeu-se do Supremo Tribunal Federal (STF). “Se é algo que temos em quantidade é jurisprudência do STF quanto à quebra de sigilos. A CPI não pode atropelar os fatos”, reagiu. No dia seguinte, o ministro da Controladoria Geral da União, Jorge Hage disse à Comissão que os cartões corporativos são usados amplamente nos Estados Unidos e que os estrangeiros demonstram surpresa e perplexidade com o Portal da Transparência. “É o Brasil se colocando em posição de vanguarda em matéria de transparência sobre as contas públicas”, avaliou.
No dia 19, na CPMI, o ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo, defendeu um controle rígido sobre esse meio de pagamento utilizado pelo governo federal e a proibição das contas bancárias tipo B (de titularidade dos ecônomos do governo, que recebiam recursos do Tesouro Nacional para pagamento de despesas públicas). O ministro adiantou ao relator, deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), que 62 funcionários do ministério do Planejamento possuem cartão corporativo, assim como todos os ministros de Estado. Os demais servidores em viagem utilizam o sistema de diárias. No caso dos ministros, o cartão não fica em seu nome. Um servidor que o esteja acompanhando fica responsável pelo pagamento de despesas de viagem, como hospedagem, traslado, alimentação e passagens aéreas. Assim, um ministro não poderia utilizar o cartão corporativo para pagar alimentação quando está em Brasília, como fez o ministro dos Esportes, Orlando Silva, ao comprar uma tapioca com o cartão.
Marisa pediu calma: “É preciso ter paciência. No primeiro dia, não dá para saber de tudo e investigar tudo”. Mas alertou que, se os líderes da oposição acreditarem que não há como avançar com as investigações, ''vai entregar a presidência da comissão'', pois não ficará “três meses de brincadeirinha”.
Congresso envia a Lula a lei orçamentária
Pressionado pelo governo, que temia um vazio nos cofres de várias obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o presidente do Congresso, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) enviou, dia 18, a lei orçamentária de 2008 para a sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antecipando em cinco dias o rito normal do Orçamento.
Obstrução era blefe do PSDB?
Com a presença tucana e de demos a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou dia 19 a indicação de Gilmar Mendes para comandar o Conselho Nacional de Justiça e a indicação do advogado Marcelo Rossi Nobre para o Conselho Nacional de Justiça, órgão responsável pelo controle externo do Judiciário. Agora a nomeação segue para o Plenário do Senado.
Artistas buscam patrocínio
A criação de uma Secretaria Nacional de Teatro foi debatida dia 18 na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado com a presença de artistas, como Regina Duarte, e produtores teatrais, como Eduardo Barata, querem uma norma para estímulo do setor, como a Lei do Audivisual, que contempla o cinema. Querem também um órgão exclusivo para a área dentro do MinC (Ministério da Cultura). Mas o presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes), Celso Frateschi, rejeitou a idéia: ''Não queremos duplicidade de funções. A antiga Secretaria de Artes Cênicas foi extinta justamente pelo ministro Gilberto Gil no início da gestão para que a Funarte cuidasse do assunto sozinha e melhor''.
Virgílio não quer servir de chacota
O líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), cobrou do presidente da Casa que explicasse as ameaças que teria recebido de Lula e garantisse que não deixaria a base do governo utilizar manobras regimentais para aprovar outras medidas provisórias. Garibaldi ironizou: “O que eu posso fazer, se o senador Arthur Virgílio não quer mais se entender comigo? Não posso fazer nada”. Pedro Simon (PMDB-RS) também não resistiu: “Renuncie à Presidência e ponha outro da confiança do Arthur Virgílio”. O acabrunhou: “Eu não vou admitir ser tratado por brincadeira. Não estou aqui para servir de chacota nem de risadinha de quem quer que seja.”
Coisas futuras
O projeto de lei da Câmara (PLC 42/07) que trata da política de reajuste do salário mínimo entrou na pauta do Senado e tem votação prevista para a sessão deliberativa ordinária do dia 25. Antes, o Senado precisa desobstruir a pauta e votar quatro projetos de lei de conversão (PLVs 3, 4, 5 e 6/08), provenientes de medidas provisórias (MPs), e duas MPs (400/07 e 402/07), que têm prioridade diante dos demais itens. Também no dia 25, os senadores vão homenagear o transcurso do bicentenário da Faculdade de Medicina da Bahia (Fameb), da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a primeira escola médico-cirúrgica do Brasil.