Vendo o Senado – O vinho azedou
Contratos assinados pelo Senado e prorrogados, que estão sob suspeição, serão substituídos após nova licitação. Foi o que decidiu o presidnete da Casa, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) na semana que passou. Medidas provisórias tracam a pauta e as discussõe
Publicado 11/08/2008 11:43
Trabalho normal e campanha eleitoral
No dia 5, o presidente Garibaldi Alves Filho e os líderes partidários acordaram a realização de sessões deliberativas normais em agosto e setembro, com a realização de ordem do dia às terças, quartas e quintas-feiras. Os líderes rejeitaram a proposta presidencial de não realizar sessões deliberativas na terceira semana de agosto e nas duas últimas semanas de setembro, como forma de conciliar as atividades parlamentares com as eleições municipais de outubro. Três senadores são candidatos: Patrícia Saboya (PDT-CE), em Fortaleza; Almeida Lima (PMDB-SE), em Aracaju; e Marcelo Crivella (PRB-RJ), no Rio. Segundo Garibaldi, “é evidente que os senadores não precisam ser candidatos para terem obrigações nos pleitos, terem deveres para com os municípios. Os seus liderados, os seus companheiros cobram essa presença, e é o destino dos municípios que está sendo decidido. Cada senador é eleito pelas bases municipais. Não pode, de repente, ficar aqui e virar as costas para essa realidade. Seria muita hipocrisia negar isso e dizer que isso não existe, que não é um problema para os senadores”.
Oposição rasga acordo e obstrui votação
A ordem do dia de 6 de agosto foi cancelada devido à obstrução do Democratas e do PSDB. Por falta de acordo, o Plenário adiou para dia 12 a votação do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 18/08, oriundo da Medida Provisória (MP) 427/08, que cria novas ferrovias e amplia as existentes no país. O DEM não discorda da matéria, mas quer manter o rito de aguardar três sessões deliberativas para votar medidas provisórias. Como três MPs foram lidas em 17 de julho, último dia antes do recesso parlamentar, a terceira sessão deliberativa transcorreu dia 7. O presidente Garibaldi Alves Filho lamentou que o acordo de votação feito em seu gabinete, dia 5, não tenha sido cumprido pelas oposições.
Além desta MP, outras duas estão trancando a pauta de votações – MPs 428/08 e 429/08. Ambas também foram modificadas pelos deputados e transformadas nos PLVs 19/08 e 20/08. A primeira altera a legislação tributária federal para reduzir o custo de novos investimentos e reduz para 5% as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de produtos classificados em vários itens da nomenclatura comum do Mercosul, além de criar um programa nacional de tarifa social dos serviços de abastecimento de água e saneamento básico. A segunda autoriza a União a participar do Fundo de Garantia para a Construção Naval.
Maior gozo da paternidade
A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) aprovou, dia 6, projeto de Patrícia Saboya (PDT-CE) que amplia de 5 para 15 dias a licença-paternidade, inclusive para pais adotivos. O benefício será concedido aos trabalhadores sem prejuízo de salário ou emprego. Mas ainda não é lei: vai à Câmara.
Algemas sem voyeurismo
Projeto de Demóstenes Torres (DEM-GO), aprovado dia 6 na Comissão de Constituição e Justiça, proíbe o uso de algemas no ato de prisão de suspeito ou condenado que não oferecer resistência, nos casos em que não houver risco de fuga ou ameaça aos agentes públicos. Já seu uso é autorizado nas prisões por flagrante delito e na condução de presos tidos como perigosos. O projeto é antigo e Demóstenes explicou porque só agora foi votado na CCJ: “Quando foi elaborado, em 2004, o projeto tinha como objetivo conter abusos praticados por policiais, então verificados contra pessoas humildes. Hoje, a mídia mostra abusos contra suspeitos até mesmo das classes mais ricas, onde são usadas algemas em casos em que o suspeito não oferece qualquer resistência.” O texto terá ainda segunda votação na CCJ, antes de ir à Câmara.
A morosidade do Congresso Nacional foi usada como pretexto para o Supremo Tribunal Federal (STF), mais uma vez, exorbitar de suas funções e legislar. No dia 7, os ministros editaram uma súmula restringindo a utilização de algemas apenas a casos em que haja possibilidade de fuga do preso ou agressão contra policiais. A decisão dos ministros foi decorrente do julgamento de um habeas corpus apresentado por um pedreiro do interior de São Paulo, no qual alegava ter sofrido constrangimento ilegal durante o julgamento em que permanecera algemado no tribunal do júri. O ministro Marco Aurélio Mello recorreu ao princípio da dignidade humana para afirmar que algemas só podem ser usadas em casos excepcionais.
Fim distante da cobrança de ponto extra de TV
A Comissão de Ciência e Tecnologia aprovou dia 6 projeto de Pedro Simon (PMDB-RS) proibindo taxa adicional para a manutenção de ponto extra de TV por assinatura. Mas, para valer, ainda tem que seguir seu rito na Câmara Alta para depois ser remetido à Câmara Baixa e, se aprovado, receber sanção presidencial.
Presença inoportuna e desnecessária
A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) enviará aos dois principais candidatos à Presidência dos Estados Unidos, Barack Obama e John McCain, carta demonstrando ''a preocupação'' com a decisão do atual presidente George W. Bush de reativar a Quarta Frota, cuja área de atuação é o Atlântico Sul. “Por que um presidente com índices tão baixos, às vésperas de uma eleição, toma uma decisão como essa? Daí a nossa decisão de escrevermos cartas e fazermos chegar às mãos dos dois candidatos, manifestando a estranheza do Brasil. Diga-se de passagem, é estranheza do Mercosul”, comunicou ao plenário Pedro Simon (PMDB-RS), lembrando que o Parlamento do Mercosul aprovou projeto de declaração de Aloizio Mercadante (PT-SP) considerando ''inoportuna e desnecessária'' a reativação da Quarta Frota.
Lula indica ex-assessor do PSDB para o Cade
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, encaminhou dia 5 ao Senado a indicação de César Costa Alves de Mattos para ocupar uma cadeira no Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade). Mattos foi assessor econômico do PSDB na campanha presidencial de Fernando Henrique Cardoso e de José Serra quando era líder dos tucanos na Câmara dos Deputados. Assessorou também o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) na relatoria do projeto de reestruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Ele deve substituir Enéas de Souza, que renunciou ao cargo antes mesmo de tomar posse.
Novo Código de Processo Penal
A comissão externa que vai elaborar um novo Código de Processo Penal (CPP) fez sua primeira reunião, dia 5, no Senado. Formada por nove juristas, sob a coordenação do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Hamilton Carvalhido, a comissão tem seis meses para adaptar o código, de 1941, à atualidade e aos princípios da Constituição Federal. A proposta será divulgada na forma de consulta pública para receber sugestões da comunidade jurídica e do público em geral. A sociedade pode apresentar sugestões à comissão externa por meio do site www.Senado.gov.br/novocpp ou pelo e-mail novocpp@Senado.gov.br.
Senador ameaçado pelo narcotráfico
O presidente Garibaldi Alves solicitou ao Ministério da Justiça providências com relação às denúncias levadas a público por Magno Malta (PR-ES) de que ele e sua família foram ameaçados de seqüestro pelo presidiário Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. A Polícia Militar do Espírito Santo já está dando proteção à família do parlamentar. No dia 5, o senador apresentou à imprensa informante – com o rosto oculto por um capuz – que confirmou a denúncia, dizendo que a informação teria partido da própria irmã de Beira-Mar.
Fraude regada a vinho
“Vamos beber vinho” era o código utilizado por empresários e servidores do Senado num esquema de fraudes em licitações milionárias. É o que denuncia o Ministério Público Federal (MPF) com base na Operação Mão-de-Obra, da Polícia Federal, que aponta como as empresas Conservo, Ipanema e Brasília Informática excluiriam concorrentes e venciam licitações para fornecer serviços terceirizados. Servidores informavam às empresas quem participaria de determinada concorrência. As empresas ofereciam compensações financeiras às concorrentes e decidiam com antecedência o resultado da licitação.
Em 5 maio de 2006, a Conservo venceu licitação para condução e manutenção de veículos do Senado por R$ 456 mil por mês. O contrato deveria terminar em 1º de junho deste ano, mas foi prorrogado sem licitação até 31 de maio de 2009. Em 24 de março de 2006, a Ipanema assinou contrato para prestar serviços de mão-de-obra indireta para o Senado. A Conservo teria “combinado” uma compensação de R$ 4 milhões da Ipanema referente a essa concorrência, segundo denúncia do MPF. Esse contrato está prorrogado até 30 de março do ano que vem.
Foram colocados sob suspeição o diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, e o primeiro-secretário, Efraim Morais (DEM-PB), citados pelos empresários e por funcionários da Casa. Agaciel afirmou que não há nada que aponte seu envolvimento. “Eu fui convocado a prestar esclarecimentos na condição de testemunha. Não tive qualquer contato telefônico ou pessoal com os empresários investigados. Não existe qualquer referência ao meu nome nas conversas telefônicas gravadas e reproduzidas pelo MPF”. Efraim, da tribuna, negou qualquer envolvimento e vai solicitar à PF que encaminhe ao Conselho de Ética qualquer gravação telefônica com os funcionários envolvidos no esquema. “ Não surgirá nenhum fragmento de informação que venha a envergonhar esta Casa. Tenho a minha consciência muito tranqüila em relação a todos os meus atos”, garantiu.
Um ex-servidor, Eduardo Bonifácio Ferreira, seria o intermediário das negociações. Ele e os donos das empresas marcavam encontros no Parque da Cidade entre fevereiro e março de 2006 pela manhã e à tarde para beberem “vinho”. A bebida seria um código para disfarçar a negociação. O pagamento de propina teria sido feito nesses encontros. O esquema teria começado na gestão de Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência da Casa e continuado com Garibaldi. Os donos da Conservo e da Ipanema e dois servidores do Senado, Dimitrios Hadjinicolaou e Aloysio Vieira, foram denunciados em março deste ano por improbidade administrativa.
“As apurações evidenciam a existência de uma grande organização criminosa”, diz o MPF. A Ipanema recebe hoje mais de R$ 2,5 milhões por mês do Senado pelos serviços ligados às concorrências suspeitas. A Conservo recebe R$ 456 mil mensais da Casa. Os procuradores pedem a devolução aos cofres públicos de R$ 36 milhões pagos pelo Senado. A Ipanema obteve um lucro de R$ 1.244.768,08 com os contratos.
A Operação Mão-de-Obra ocorreu em 26 de julho de 2006 para apurar fraude em licitações e superfaturamento de contratos entre a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), os ministérios da Justiça, do Trabalho e da Ciência e Tecnologia, Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e Senado com as fornecedoras de mão-de-obra Conservo, Ipanema e Brasília Informática. Foram cumpridos mandados de prisão contra servidores públicos e empresários, entre eles Victor João Cúgola (da Conservo) e José Carlos Araújo (da Ipanema). A PF indiciou 19 pessoas, atribuindo a elas crimes como formação de quadrilha e cartel, fraude em licitação e corrupção. A Procuradoria da República no Distrito Federal denunciou 18 acusados à Justiça Federal — a acusação foi transformada em ação penal. Tramitam também ações contra elas por atos de improbidade administrativa. A Polícia Federal vai investigar as denúncias.
Efraim e Agaciel foram chamados dia 7 pela manhã por Garibaldi para uma conversa na sua residência oficial. Foram informados de sua decisão de substituir os três contratos de prestação de serviço em que há suspeita de fraude. Garibaldi deu prazo de 60 dias para que uma comissão, presidida pelo seu chefe de gabinete, Florian Madruga, prepare nova licitação para substituir os contratos. Um com a Conservo, de condução e manutenção de veículos para o Senado, e os outros dois com a Ipanema Segurança Ltda., para prestação de serviço na área de comunicação social da Casa e de vigilância desarmada.
Coisas futuras
O Senado voltou do recesso de julho com a pauta trancada por três medidas provisórias. Não há expectativa de que propostas polêmicas, como a redução da maioridade penal e do fim do voto secreto no Congresso para cassação de mandato, sejam apreciadas neste semestre. O líder do DEM, José Agripino (RN), admite a dificuldade: “O clima inexiste. A coisa é incrível. Os trabalhos já começam com a pauta trancada”. Ele aproveita para anunciar que o governo terá dificuldades em aprovar no Congresso a MP que deu o status de ministério à Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca e criou 295 cargos comissionados em várias pastas.