Vendo o Senado – Visão burguesa da crise

A composição e a perspectiva de classe da maioria dos integrantes do Senado ficaram patentes nas intervenções abordando a crise que vem atormentando o capitalismo. Procuram-se soluções para salvá-lo, deixam claro os parlamentares.

As eleições municipais também foram abordadas – seria impensável que a preocupação da campanha da candidata à capital paulista com a falta de descendentes de seu adversário passasse em silêncio. E, na boca da urna dos 30 municípios que realizam o segundo turno, um pouco de arte e política: uns trechos de Machado de Assis sobre eleições. O ex-deputado comunista Jamil Murad foi lembrado, com gratidão, numa das sessões da Casa.


 


 


 


A crise capitalista tem sido tema no plenário. Representantes dos vários partidos confessam que ainda não têm uma visão mais aprofundada do que acontece. A crise começou nos Estados Unidos, mas governistas e oposição nacionalizam o debate – uns saudando as medidas até agora adotadas pelo presidente Luiz Inácio da Silva (PT); outros criticando sua postura inicial de dizer que os efeitos negativos não chegariam ao nosso país e cobrando a contenção dos gastos públicos. “Ainda que não seja possível dimensionar, em seu conjunto, os efeitos vindouros da crise econômica mundial, é evidente que ela não vem nos atingir tão-só como uma turbulência passageira – ou, para retomar a linguagem figurada usada pelo presidente da República, como uma simples marola”, confessou o tucano Papaleo Paes (AP).


 


 


Um aspecto une os pronunciamentos até agora realizados: são todos feitos sob a perspectiva do capitalismo e buscam uma solução capitalista para o problema. Assim, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), pontifica: “A grande diferença entre capitalismo e socialismo é que o socialismo não existe mais e o capitalismo sobrevive ciclicamente às crises cíclicas que lhe formam a característica básica” e alerta que “temos que nos preparar para o fato de que, aquilo que denunciamos por tanto tempo, a gastança do Governo, arma uma crise fiscal que, a meu ver, está mais do que próxima”.


 


 


Economista e um dos representantes de São Paulo – a unidade da Federação mais poderosa economicamente –, o petista Aloysio Mercadante pensa que as crises financeiras ”são da natureza da sociedade capitalista e elas têm um papel saneador. Nações pagarão preços altos, empresas desaparecerão, bancos já desapareceram, mas aqueles que foram prudentes, aqueles que se prepararam, seguramente encontrarão grandes oportunidades que esse processo irá patrocinar”. E faz um apelo de salvação da sociedade dividida entre uma minoria de exploradores e uma enorme maioria de explorados: “… teremos de chamar os arquitetos e engenheiros para reconstruir o sistema. E nós teremos um novo sistema financeiro”. Admite, contudo, que não são os capitalistas imprudentes as principais vítimas da débâcle financeira: “Essa crise atingirá os mais pobres”.


 


 


Entusiasmado com as possibilidades saneadoras abertas pela situação atual, Mercadante destacou a posição que considera favorável dos chamados países emergentes, e tratou de criticar os que concorrem com o Brasil: “Hoje a China é inegavelmente a grande locomotiva da economia mundial, mas é uma ditadura. A Índia é extremamente importante, porque tem um mercado de um bilhão de pessoas, mas é uma sociedade de castas. A Rússia é extremamente importante pelas grandes reservas de gás, mas é uma burocracia autoritária. O Brasil é um país que tem o Estado de Direito Democrático, a separação dos Poderes, a democracia consolidada”. Esqueceu-se, ou preferiu não citar, que este país detém uma das maiores desigualdades sociais do mundo.


 


 


Faltou, até o momento, manifestar-se na tribuna a voz dos que, principais vítimas da crise, não querem reconstruir o sistema, mas substituí-lo por outro – por aquele que o orador amazonense disse que “não existe mais” (afirmação que seria contestada por Cuba, Vietnam, Coréia do Norte e pelo país que mais tem crescido nos últimos tempos, China) –, a voz dos proletários revolucionários, que querem substituí-lo pelo socialismo.


 


 


Ousadia castigada


 


 


No talvez seu principal livro, Ilusões Perdidas, Honoré de Balzac coloca na boca de seu mefistofélico personagem Vautrin um conselho ao estreante e ainda ingênuo jornalista e poeta Lucien de Rubempré: “Quem tudo quer, tudo deve ousar”.  Vautrin queria (e consegue) que Lucien mandasse às urtigas seus escrúpulos e escrevesse o que fosse de interesse de seus editores, mesmo contrariando suas próprias convicções. Algo semelhante parece ter ocorrido nos que elaboraram a desastrosa peça da campanha de Marta Suplicy (PT) à prefeitura de São Paulo, quando resolveram insinuar a falta de masculinidade de seu adversário. Prato cheio para demos e tucanos no Senado: “Quero lamentar que uma candidata a prefeita do Estado de São Paulo, que representa o Partido dos Trabalhadores, que tem um presidente da República, caia na baixaria de, em um programa de televisão, ficar insinuando algo”, registrou Papaléo Paes (PSDB – AP). Colega de partido do candidato Kassab, Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM – BA) aproveitou a deixa: “Isso realmente é uma coisa indigna e que merece toda nossa reprovação”. Sérgio Guerra (PE), presidente dos tucanos que, no pleito passado, chamavam a candidata petista de “Dona Marta e seus dois maridos”, vociferou que “o PT incorre em uma ação absolutamente, totalmente, frontalmente antidemocrática, desrespeitosa, autoritária, precária, primitiva, desrespeitosa, reacionária, e, na falta de argumentos, vem com acusações pessoais, levianas, contra homens públicos brasileiros que disputam legitimamente, de forma tranqüila, uma eleição de prefeito de São Paulo. Coragem coisa nenhuma! Essa é a arma dos covardes”. O líder do PSDB, Arthur Virgílio, também tirou sua casquinha: “Não sou preconceituoso em relação a homossexual, não sou preconceituoso em relação a religião, não sou preconceituoso em relação a coisa alguma, mas talvez eu seja um pouco em relação ao futebol: é melhor ser solteiro do que ter que torcer pela Argentina no jogo Brasil x Argentina. É bem melhor. É melhor ser solteiro do que torcer pela Argentina” (referência ao fato de Marta ser casada com um argentino). “A ex-prefeita Marta Suplicy já tirou mais retrato em passeata gay no Dia do Orgulho Gay do que qualquer drag queen. Ela era figura fácil, desfilava em todas, externando o que parecia uma visão progressista da questão comportamental. Ou seja, estupidez do seu marqueteiro e estultice dela própria, que parece que não toma conhecimento do que se passa na campanha dela e por isso vai tão mal nas pesquisas de opinião”.


 


 


Até Tasso Jereissati (PSDB-CE), que no ano passado mimicava trejeitos e chamava um senador seu desafeto de “boneca” durante as sessões da Comissão de Ética que julgavam Renan Calheiros (PMDB-AL), fez questão de registrar seu “protesto por essa baixaria inominável que está sendo feita na campanha de São Paulo”.


 


 


Confrangidos, petistas presentes, como Fátima Cleide (RO autora da PLC nº 122, que coíbe a discriminação e violência com relação à orientação sexual e identidade sexual de qualquer pessoa), também condenaram o episódio. “Acho que o que ocorreu na campanha do Partido dos Trabalhadores em São Paulo é um equívoco, que não deve ser cometido por mais ninguém, nem por A nem por B, em luta ou disputa política”, disse a nortista. Eduardo Suplicy (SP), ex-marido da candidata, depôs: “Certamente, todos nós conhecemos muitas pessoas que, por mais longas que tenham sido sua vida, em sendo solteiros ou solteiras e não tendo filhos, tiveram uma vida muito produtiva, séria e sem quaisquer restrições. Então, não avalio que seja aquela a pergunta adequada” (se Kassab é casado e tem filhos). “Transmiti à Marta essa minha opinião e também aos responsáveis pela campanha. Esse anúncio foi suspenso”.


 


 


Afastados dois diretores suspeitos


 


 


A Mesa Diretora decidiu, dia 14, afastar dois diretores suspeitos de receberem propina de empresas contratadas para serviços terceirizados em troca de vencerem as licitações abertas na Casa. Dimitrios Hadjinicolaou e Aloysio Brito Vieira, responsáveis pela Secretaria de Compras e Contratações e pela Secretaria de Fiscalização e Controle do Senado, vão deixar temporariamente os cargos até a conclusão das investigações. O Ministério Púbico Federal no Distrito Federal abriu ação de improbidade administrativa contra os dois diretores, com a acusação de que favoreceram as empresas Conservo e Ipanema.


 


 


Nepotismo na mira


 


 


Foi dado novo prazo para que os senadores informem se possuem ou não familiares contratados sem o perfil da anterioridade. O presidente Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) endureceu o discurso: “Se eles não demitirem, nós vamos demitir”. Um parecer da Advocacia-Geral do Senado diz que apenas a nomeação do parente antes do mandato do político será mantida e reforça a necessidade de demissão de familiares também por parte de diretores e chefes de gabinete, seguindo determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o documento, elaborado pelo advogado Alberto Cascais, o parente de um parlamentar pode continuar trabalhando em algum gabinete caso tenha sido nomeado para o cargo de confiança antes da eleição do senador. É o “princípio da anterioridade”. Foi a maneira encontrada, por exemplo, para manter uma sobrinha de Epitácio Cafeteira (PTB-MA) na Casa. A orientação não agradou aos proprietários dos jornais, que acionaram seus escribas para criticá-la. Garibaldi determinou a Cascais que ouça o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, sobre a legalidade da medida. “Se houver um engano, nós vamos reparar porque não queremos passar a idéia de que estamos burlando a lei”, afirmou o presidente.


 


 


Novo Orçamento terá reserva especial anticrise


 


 


O Orçamento da União de 2009 congelará em uma reserva especial entre R$5 bilhões e R$6 bilhões para enfrentar eventuais efeitos negativos da crise financeira global no Brasil. O objetivo, segundo seu relator, Delcídio Amaral (PT-MS), é fazer uma poupança. A despeito da expectativa de desaceleração do crescimento econômico, a Comissão Mista de Orçamento aumentou em R$9,2 bilhões a estimativa de receitas no ano que vem. Atualmente, Orçamento tem R$4,5 bi para contingências. A estes recursos se somam os R$9,2 bilhões da nova estimativa de receita. Delcídio admitiu que, como a reserva tem que ser vinculada a um fim específico, ela pode ser adicionada à rubrica do superávit primário (economia para pagamento de juros). O superávit, diz ele, também pode ser uma medida anticrise. O parlamentar decidiu adiar a apresentação do seu relatório preliminar, previsto para dia 14, à espera das novas projeções do governo para os principais indicadores econômicos. Ele garantiu que estão mantidos os investimentos dos programas de Aceleração do Crescimento (PAC) e sociais, assim como o reajuste do salário mínimo, que passará dos atuais R$415 para R$464,72, a partir de fevereiro. O novo relatório deverá ser apresentado no dia 21.


 


 


Faltou apoio partidário às mulheres


 


 


Serys Slhessarenko (PT-MT) analisou, na Tribuna, “essa questão do poder entre homens e mulheres”, a partir dos recentes resultados eleitorais. Segundo o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Carlos Ayres Britto, o número de mulheres eleitas prefeitas passou de 7,32% das prefeituras para 9,16%. São 498 prefeitas eleitas no primeiro turno. Concorreram 12.944 homens e 1.620 mulheres para prefeituras. Entre os homens, 4.986 venceram no primeiro turno. “Olhando as porcentagens, 30% das candidatas foram eleitas, enquanto, dos homens, 38% foram eleitos. Percentualmente, a diferença é muito pequena, o que pode nos permitir concluir que o aumento no número de candidatas é a garantia de mais mulheres eleitas”, afirmou a mato-grossense.


 


 


Nas capitais, houve pequeno aumento no número de prefeitas: Luizianne Lins (PT-reeleita  em Fortaleza-CE) e Micarla de Sousa (PV, em Natal-RN). As petistas Maria do Rosário e Marta Suplicy disputam o segundo turno em Porto Alegre (RS) e em São Paulo (SP).


 


 


Não houve crescimento no número de vereadoras. Elas continuam com 12% das vagas. “É maior que no Legislativo federal, mas ainda é muito pouco. Afinal, como não canso de repetir, somos 52% da população, irmãs dos outros 48% e merecemos ter o mesmo espaço na política que os companheiros homens”, registra a senadora.


 


 


Na sua opinião, nas cidades pequenas, “onde as campanhas são mais simples e o dinheiro pouco importa para o desenrolar da campanha, contando muito mais o chamado corpo a corpo, as mulheres são eleitas de forma quase que igual aos homens, como é o caso das pequenas cidades de Mato Grosso, onde inúmeras Câmaras elegeram mais de duas mulheres. As mulheres competem em condição de igualdade com os homens por terem a mesma possibilidade de acesso ao povo na rua, enquanto que, nas grandes cidades mato-grossenses, quando muito, uma mulher é eleita, como ocorreu, infelizmente, em Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis e Cárceres. Pior ainda em Tangará da Serra, onde nenhuma mulher foi eleita”. E arrisca: “Podemos atribuir essa situação ao simples fato da falta de apoio dos partidos. Em cidades maiores, os recursos financeiros são fundamentais para garantir a competitividade. Eles não têm como chegar a toda a população, como o candidato que, geralmente, conta com maior apoio partidário”.


 


 


Homenagem aos metroviários e a Jamil Murad


 


 


Ao encerrar a sessão de 14, Paulo Paim (PT – RS), que presidia a Mesa, homenageou o ex-deputado federal Jamil Murad (PCdoB-SP, agora eleito vereador na capital paulista), que apresentou o projeto original que consagrou o dia 26 de outubro como o Dia Nacional dos Trabalhadores Metroviários, sancionado na terça-feira pelo Senado. “Os metroviários deste País, que transportam nosso povo, são uma categoria organizada, uma categoria que, há tempo, aguardava seu dia. E o Dia Nacional dos Trabalhadores Metroviários, a partir da sanção de hoje – tenho certeza da sanção do Presidente Lula –, será o dia 26 de outubro. Tive a alegria de relatar o projeto, a pedido da categoria. Deputado Jamil Murad, sei que V. Exª, neste momento, no seu Estado, está feliz porque seu projeto, que faz uma justa homenagem aos metroviários do Brasil, foi aprovado por unanimidade no dia de hoje. E tive a alegria de ter sido o Relator, já garantindo a sanção junto ao Presidente Lula”.


 


 


Machado de Assis e as eleições


 


 


Às vésperas do segundo turno, deleitemo-nos com um pouco do Bruxo do Cosme Velho, autor do clássico O velho Senado. Em algumas de suas crônicas, Machado de Assis tratou de eleições. Fez sua declaração de cidadania: “Sou eleitor, voto, desejo saber o que fazem e dizem os meus representantes”. Em uma, tratou diretamente das eleições para prefeito. Publicou Machado, em 22 de agosto de 1864: “Se o povo se agita e comove na ocasião da eleição política, com igual razão devia comover-se e agitar-se na eleição municipal, porque a municipalidade é o poder que lhe fica à vista, aquele a que mais direta e freqüentemente influi na satisfação de suas primeiras necessidades.”


 


 


Noutra – é bom lembrar que, no século XIX, quando produziu a maior parte de sua obra, poucos brasileiros, e somente os endinheirados de sexo masculino (mesmo que solteiros e sem filhos), podiam votar –, noutra crônica, estampada em A Semana, de 7 de agosto de 1892, exala sua famosa ironia: “Estudai o eleitor; em vez de andardes a trocar as pernas entre três e seis horas da tarde, estudai o eleitor. Achá-lo-eis bom, honesto, desejoso da felicidade nacional. Ele enche os teatros, vai às paradas, às procissões, aos bailes, aonde quer que há pitoresco e verdadeiro gozo pessoal. Façam-me o favor de dizer que pitoresco e que espécie de gozo pessoal há em uma eleição? Sair de casa sem almoço (em domingo, note-se!), sem leitura de jornais, sem sofá ou rede, sem chambre, sem um ou dois pequerruchos, para ir votar em alguém que o represente no Congresso, não é o que vulgarmente se chama caceteação?”


 


 


Coisas futuras


 


 


O presidente do Senado informou que, por deliberação dos líderes partidários, as sessões plenárias desta semana, que antecede o segundo turno das eleições municipais, não serão deliberativas. Garibaldi também manifestou sua preocupação com a votação das Medidas Provisórias (MPs), agora que o prazo para a suspensão da leitura de MPs estabelecido por ele em agosto se extinguiu. Normalmente, as MPs são lidas assim que chegam ao Senado, vindas da Câmara dos Deputados. Mas como as MPs têm chegado da Câmara com o prazo de tramitação vencido, elas trancam a pauta do Plenário do Senado impedindo as votações até a sua apreciação.

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