Virtudes do trabalho e ócio

Time is Money, a velha e surrada máxima capitalista tem raízes profundas na exploração do homem pelo homem sempre que ela existiu. Mas nunca se mostrou tão atual como em épocas de neoliberalismo, quando até mesmo o tempo livre do trabalhador deve ser convertido em dedicação para quem o emprega.

O trabalho surge para a humanidade quando o homem resolve transformar a natureza. Para comer, os primeiros homens caçavam e colhiam. Com a apropriação do conhecimento do fogo, coziam a carne e alguns grãos. Depois, quando entenderam que os grãos enterrados produziam outras plantas, surge a agricultura. Plantar, colher, cozer, guardar o excedente para outras temporadas. Quanto tempo estes homens gastavam com estas tarefas, ninguém pode precisar. Mas sabemos que a partir do estabelecimento da escravidão (em princípio de prisioneiros de guerra, mais tarde voltados mesmo para a guerra ou produção), estabeleceu outra relação entre os produção e trabalho, exigindo-se do cativo total dedicação às tarefas que lhes eram impostas, e aos seus donos mais tempo livre e qualidade de vida.

Enquanto os filósofos e políticos gregos dedicavam seu tempo ao estudo e debates, escravos e mulheres (que não tinham direitos políticos) providenciavam com seu trabalho todas as condições para que a política e a filosofia se desenvolvessem. Escravos ou pobres, as classes populares sempre trabalharam muito mais em todas as sociedades antigas. Na idade média funcionou a divisão entre servos e senhores, nobres e plebeus, uns produzindo, outros cobrando pesados impostos e usufruindo. A bula pontifícia de Nicolau V (1455) autorizava a conquista e escravidão das populações a sul do Equador. Por isto os negros escravizados trabalharam até a exaustão, sem culpa ou pecado de seu senhor: 16 ou 18 horas por dia, no sol ou chuva, sem nenhum tipo de amparo. A média de tempo de vida no trabalho escravo nas Américas beirava os oito anos.

Mulheres nobres e abastadas, até o início do século XX não se expunham ao sol. Pele alva era sinal de nobreza ou posses. Trabalhos manuais eram considerados indignos para a nobreza. O clero era igualmente dispensado do trabalho braçal. Mas a ideologia da igreja e moral da época pregava o trabalho como virtude, condição de salvação para a vida eterna. Os pecados capitais condenados pela igreja (preguiça, gula, luxúria, avareza, ira, orgulho e inveja) eram para as almas pobres. Nobreza ou clero, porém, não ficavam imunes à tentação e a estes pecados, só que sem culpas, problemas ou condenação. Quanto aos milhões de negros arrancados da África, e que produziram a riqueza das Américas, bem… Segundo a igreja, eles não possuíam alma.

Com o fim da escravidão oficial e o início da revolução industrial surge a contratação por tarefas. Era comum a contratação de famílias por tarefas. Pais, filhos inclusive pequenos e mulheres executavam o trabalho pelo qual o homem, chefe de família era responsável e remunerado. Jornadas de 18 horas eram comuns, mortes por exaustão e inúmeros acidentes ocorriam durante a extensa jornada. O início do movimento operário tem como bandeira principal a fixação de uma jornada menos desumana. É a escravização do trabalhador dito livre na formação da burguesia industrial moderna. No Brasil, a jornada estabelecida em 48 horas com a CLT e reduzida para 44 em 1988, prevê ainda outro artifício: A hora-extra.

A hora-extra deve ser tratada por trabalhadores e patrões como excepcionalidade. Em casos especiais, por necessidade premente de trabalho, sob pena de graves perdas ao trabalho, em situações incomuns. Deve, para isto ser remunerada com valores que desestimulem patrões a utilizá-las. Ao invés de contratar outros trabalhadores, é mais econômico prorrogar a jornada, independente dos prejuízos à saúde física e mental, da qualidade de vida e dos riscos ocupacionais provocados por jornadas extenuantes. São comuns nas chamadas terceirizações, que geralmente acontecem através de cooperativas de trabalho, tirando do trabalhador seus direitos mais elementares como férias, 13 salário, contribuições à previdência e direito associativo.

O trabalho exaustivo, mesmo classificado enquanto doença, ainda é visto como virtude por quem dele extrai lucro, enquanto o ócio, benéfico e necessário na medida certa é taxado como indolência ou preguiça. O que seria esta medida certa varia de acordo com a época. Os avanços tecnológicos conquistados pela humanidade permitem que hoje sejam realizadas em menos tempo muito mais tarefas, restando então ao trabalhador mais tempo livre. Seria perfeito, não fosse a ganância capitalista de transformar este tempo livre em mais mercadorias ou trabalho, portanto mais lucro.

A redução da jornada de trabalho sem redução da jornada, portanto, tem razões muito maiores do que a simples geração de mais dois milhões de postos de trabalho, apesar da importância deste dado. Reduzir a jornada o significa mais quatro horas de tempo disponível para o trabalhador, seja ele aproveitado em lazer, estudo, convivência familiar ou descanso. Significa qualidade de vida, coisa que certamente os abastados têm de sobra, mesmo que trabalhando as horas que quiserem, já que são eles quem determina a própria jornada. Reduzir a jornada, enfim, para quem costuma afirmar categoricamente que tempo é dinheiro (a turma do Time is Money), distribuir um pouquinho de renda, e aí se entende a ferrenha oposição da direita a esta medida.

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