“Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme”: Natureza Traiçoeira

Stone volta a cutucar o sistema financeiro dos EUA, mas desta vez cede espaço ao drama familiar para redimir especulador punido por suas trapaças

                    A exemplo do escorpião, que mesmo ajudado pela lebre na travessia do rio termina por picá-la, é da natureza do capitalismo viver em constante crise, gerada por sucessivas bolhas, dada à artificialidade com que produz seus lucros. Com esta parábola, trazida à cena pelo comportamento do megaespelador Gordon Gekko (Michael Douglas), espécie de Bernard Maddoff dos anos 80, o diretor Oliver Stone amplia sua visão do sistema financeiro, iniciada em 1987 com “Wall Street – Poder e Cobiça” e equilibrado neste “Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme” com as conflituosas relações de Gekko com sua filha Winnie (Carey Mulligan).

                   Se no primeiro Stone e seu co-roteirista Stanley Meisser se concentravam nas trapaças de Gekko no período anterior à queda do fundo de hedge Long Term (especulava  com cotações de moedas e índices de inflação, etc.), neste segundo filme ele configura o crash de outubro de 2008, que derrubou os sistemas financeiro e de habitação dos EUA, na falência do Banco Lehman Brothers através das ações do corretor Lewis Zabel (Frank Langella) e nas manipulações do especulador Bretton James (Josh Brolin). Com poderosas imagens, Stone faz o espectador entrar no mundo das altas finanças, onde os personagens que o habitam tratam de milhões de dólares com tanta simplicidade quanto o cidadão comum cuida de seus parcos trocados.

                   Numa cena que bem o ilustra, o atarantado Zabel diz a seu jovem pupilo Jake que não entende porque a empresa indiana cujas finanças administra lhe paga dividendos, quando está em perda. E lhe dá US$ 1,4 milhão de bônus sem que ele saiba o que fazer com o dinheiro. “Gaste, viva!” é o que lhe aconselha Zabel. Mas o que sustenta estes frios e calculistas capitalistas, dispostos ao jogo duplo para fazer fluir a adrenalina? Gekko, numa de suas constantes tiradas, depois de oito anos mofando numa penitenciária, diz que os movem duas questões: ”ganância e competição”. Ele mesmo se pauta por estas máximas, tornando-as sua natureza.

                 O espectador pode ver nisto apenas uma confirmação das suspeitas do Vaticano, para quem cobiça e usura são pecados. Porém, a se admitir que seja verdade é uma visão por demais cristã. O que na verdade mantém o sistema financeiro e toda a estrutura capitalista funcionando é o poder de classe, controlada ferreamente pela burguesia em seus luxuosos escritórios, mansões e lofts, diante de telas de computadores que vigiam movimentos de bolsas de valores e fluxos de capital em todo o planeta. Afinal, nem o crash de outubro de 2008 evitou que o único sistema verdadeiramente globalizado e livre seja o financeiro, ainda que carcomido pelas bolhas e engendrando novos crashs sob frágeis “controles” como os dos EUA.

                Relações familiares enfraquecem
                a trama central

                  Mesmo alijado do sistema financeiro, Gekko não desiste de participar da ciranda que ajudou a criar e, fora dela, é capaz de qualquer gesto, inclusive tramar contra a filha para voltar em grande estilo. Quando no auge da crise de 2008, ele vê os magnatas de Wall Street  às voltas com gigantescas perdas, tentando convencer o governo dos EUA a salvá-los, cunha a frase que melhor ilustra o poder da burguesia: ”Se soltar uma bomba nesta sala, o mundo vai perder todos os que o controlam (citação não literal)!”. É brilhante. Numa dessas reuniões, Bretton, um Gekko mais ávido, informa ao secretário do Tesouro estadunidense, Bill (John Bedford Lloyd), que flutuam no planeta cerca de US$ 170 trilhões e que precisam de “uns US$ 600 bilhões” para salvar o sistema financeiro do planeta. É a burguesia valendo-se de seu Estadoprovedor, para escapar à bancarrota.

                 Percebe-se o quanto de transações sem lastro em ouro ou em ações e títulos do setor produtivo flutuam no sistema financeiro. É tudo virtual. Funciona como um cassino, criando bolhas, crises e crashs, em que as maiores vítimas são os trabalhadores que perdem seus empregos, suas casas, seu futuro. Mas na visão ingênua de Stone o problema causado pelos especuladores pode ser sanado com a simples punição dos Gekkos e Brettons, quando só adia o crash final da carcomida estrutura capitalista com uma nova queda da Bastilha.

                Ele, Stone e seus roteiristas Allan Loeb e Bryan Burrough, com base em seu roteiro original, preferem equilibrar o filme com as relações familiares. A queda de braço freudiana entre Gekko e sua filha Winnie, com a participação de Jake, carente, devido à ausência do pai e as especulações imobiliárias da mãe Sylvia Moore (Susan Sarandon). Busca-se a redenção a todo tempo. Sobretudo valendo-se da tomografia do neto de Gekko. Às vezes, devido a isto, a trama arrefece. O vilão Bretton perde a força. É uma demonstração de que o filme não deixa de ser um produto de mercado, ainda que dotado de boas intenções.

Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme” (“Wall Street – Money Never Sleeps”. Drama. EUA. 2010. 127 minutos. Roteiro: Allan Loeb, baseado em história de Bryan Burrough e em personagens criados por Oliver Stone e Stanley Weisser. Direção: Oliver Stone. Elenco: Michael Douglas, Shia LaBeouf, Carey Mulligan, Josh Brolin, Frank Langella, Susan Sarandon.

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