A Constituição de 1988: cidadã ou ingovernável?

Ao mesmo tempo em que, em 5 de outubro de 1985, o deputado Ulysses Guimarães apelidava de ''cidadã'' a Constituição […]

Ao mesmo tempo em que, em 5 de outubro de 1985, o deputado Ulysses Guimarães apelidava de ''cidadã'' a Constituição brasileira promulgada naquele dia, os setores conservadores e a direita, inconformados com as conquistas sociais, democráticas e patrióticas alcançadas durante o processo constitucional, urdiam – sempre com o apoio da mídia do grande capital – outra marca que tentam impingir, desde então, à Carta Magna: ''ingovernável''. O cumprimento das novas determinações constitucionais, dizia a direita, deixaria o país ingovernável.


 


Estava marcada assim, logo no nascimento do novo período constitucional e democrático de nosso país, o eixo principal das disputas que ocorreriam nos vinte anos seguintes. De um lado, estava a direita, os conservadores, os neoliberais, e sua exigência de uma Constituição ''enxuta'', extirpada dos direitos sociais, trabalhistas, que relativizasse a soberania brasileira e definisse uma ordem institucional que exprimisse apenas os interesses do grande capital. Do outro lado, os democratas, os patriotas, as forças populares, que preconizam a consolidação e ampliação dos direitos sociais, a defesa da Nação brasileira, e o aprofundamento da democracia.


 


Apesar do largo predomínio conservador – 70% dos parlamentares eram de direita ou centro direita – os deputados da esquerda ou centro esquerda – entre os quais se incluia a bancada de cinco deputados comunistas – tiveram grande influência na definição da nova Lei Maior, em defesa dos interesses democráticos e populares. A participação popular direta também foi intensa, apresentando 122 emendas populares propostas por 12.277.433 brasileiros, um processo que nunca havia ocorrido nos processos constitucionais brasileiros.


 


A Constituição, que nasceu comemorada como ''cidadã'' pelos democratas, e contestada como ''ingovernável'' pelos conservadores, enfrentou fortes ataques nestes vinte anos. A direita e os conservadores, animados com a derrota do socialismo no Leste da Europa e o avanço neoliberal no mundo, promoveram uma grande campanha midiática para adequar o texto constitucional a seus interesses. Queriam mudar fundamentalmente os dispositivos que tratam da seguridade social, da ordem econômica e financeira, o pacto federativo (adotando principalmente a chamada lei de Responsabilidade Fiscal), e os direitos dos servidores públicos e dos aposentados. O instrumento para isso foram as emendas constitucionais; até hoje, já são 55 emendas, promulgadas principalmente nos governos neoliberais de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, que  alteraram em profundidade – e quase sempre para pior – seu texto original. Um exemplo foi a aprovada em agosto de 1995, no começo do governo de FHC, da emenda constitucional que anulou os benefícios para as empresas nacionais e igualou, perante a lei, as empresas nacionais com as empresas estrangeiras.


 


As Constituições refletem a correlação de forças em uma sociedade, definindo os direitos e deveres de todos e os limites e alcances da ação do Estado. A Carta Magna de 1988 foi fruto de uma época de mudanças profundas no Brasil, que saia da ditadura militar de 1964 e vivia uma forte mobilização popular pela democracia, e no mundo, onde a crise do socialismo no Leste Europeu sinalizava a generalização da hegemonia neoliberal. Era uma encruzilhada histórica, como definiu na época o Partido Comunista do Brasil. As vicissitudes por ela enfrentadas refletem esta conjuntura e a luta desenvolvida nestas duas décadas. Aos vinte anos, precisa ser defendida. E, se há mudanças a fazer, elas devem ser no sentido de aprofundar a democracia, a participação popular, os direitos sociais e a defesa da Pátria.