Admissão de embargos pelo STF é derrota da direita
Escrito na típica linguagem dos juristas em que a busca da exatidão tem o objetivo de evitar qualquer interpretação que […]
Publicado 20/09/2013 06:01
Escrito na típica linguagem dos juristas em que a busca da exatidão tem o objetivo de evitar qualquer interpretação que se desvie daquilo que o autor pretende dizer com seu texto, o voto do ministro Celso de Mello, nesta quarta-feira (18), admitiu os embargos infringentes que permitem o reexame de sentenças de 12 (dos 25) réus da Ação Penal nº 470 (apelidada de “mensalão”). Seu voto ficará nos anais do Supremo Tribunal Federal como uma candente defesa dos direitos individuais, da Constituição, e da independência dos juízes.
O julgamento da Ação Penal 470 foi transformado pela mídia conservadora e pela oposição neoliberal e de direita num espetáculo circense. Seu objetivo era condenar previamente os réus, cercear seu direito de defesa, e constranger os juízes do STF a acatar esse julgamento da mídia conservadora e da direita.
Havia o interesse nítido de expor e desgastar as forças políticas que, desde 2003, com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República, iniciaram e dirigem o processo de aprofundamento da democracia que o Brasil vive hoje. Com sangue nos olhos e faca nos dentes, porta-vozes da mídia conservadora deram ao caso o apelido de o “maior escândalo da história da República”. Fizeram de tudo para gerar imagens (como a prisão dos condenados) para influir nos resultados das eleições, sobretudo em 2014, quando se escolherá o novo presidente da República para o quadriênio 2015/2018.
A direita, a oposição neoliberal e sua mídia amestrada transformaram o julgamento em um linchamento que atropelou a lei, o processo penal, a independência do Judiciário.
Daí a importância do voto proferido nesta quarta-feira (18) pelo decano do STF, o ministro Celso de Mello. Foi uma aula magna, já se disse. Ele foi autor de uma peça que se incorpora aos textos democráticos da Justiça brasileira. Logo nos primeiros parágrafos, lembra uma coincidência feliz: a leitura de seu voto ocorreu no dia em que se comemorava o 67º aniversário da Constituição de 1946, promulgada exatamente no dia 18 de setembro daquele ano.
Esta coincidência permitiu-lhe lembrar que aquela Carta Magna “restaurou a liberdade em nosso país” e “dissolveu a ordem autocrática fundada no regime político do Estado”, afastando o modelo de “índole ditatorial” dos tempos do Estado Novo. Desde então, assegurou Celso de Mello, os julgamentos do STF são orientados pelo “signo da legitimidade democrática”, pelo “respeito incondicional às liberdades fundamentais”, pela garantia do “direito a um julgamento justo, imparcial, impessoal, isento e independente”. Seus julgamentos, que devem ser “imparciais, isentos e independentes, não podem expor‐se a pressões externas, como aquelas resultantes do clamor popular e da pressão das multidões”, argumentou.
São palavras que merecem registro. Ele recusou qualquer julgamento feito com base no clamor popular – na assim chamada opinião pública, ou publicada, que é o caso! –, ou na irracionalidade das paixões. Os juízes, pregou, devem ser “juízes isentos, imparciais e independentes”, não podendo assim se contaminar “por juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião pública que objetivem condicionar o pronunciamento de magistrados”, sob pena de negarem “o direito fundamental a um julgamento justo”.
Teve ainda o dom, professoral no bom sentido da palavra, de demonstrar – citando juristas brasileiros do passado – que este entendimento democrático já tem mais de um século de tradição na mais alta corte de justiça do país.
É o direito de quem seja submetido a julgamento ser protegido contra o arbítrio do Estado e também contra pressões indevidas, emocionais, da chamada opinião pública. Trata-se de uma dupla defesa, poderia ter dito, contra o arbítrio e também contra o espírito de manada de multidões, que promove linchamentos.
O processo penal deve, insistiu ele, “delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu”, inibindo “a opressão judicial e o abuso de poder”.
O voto contém considerações pertinentes sobre a permanência dos chamados embargos infringentes, formulando teses para fundamentar sua decisão de aceitá-los e, assim, levar a um novo exame, pelo STF, dos aspectos que, no julgamento anterior, não alcançou a necessária maioria de ministros a condenar os réus (pelo menos oito).
A ânsia de produzir imagens de figuras de destaque do Partido dos Trabalhadores, como José Dirceu, José Genoíno ou João Paulo Cunha sendo arrastados por policiais, gerou um movimento envolvendo juízes do próprio STF com o objetivo de garantir a prisão daqueles condenados ao menos pela parte das penas que não foi contestada. Muitos falaram em “impunidade”, como o líder do DEM na Câmara os Deputados, o direitista Ronaldo Caiado (GO), que classificou a decisão de "nefasta". O jornal O Globo reforçou a alegação de “impunidade” com uma charge onde o ex-ministro José Dirceu exibe uma pizza.
O coro de “cadeia já” ergueu-se para ocupar o lugar vago que a derrota da direita, de sua mídia hegemônica, e seus porta-vozes, abriu.
O Brasil democrático assistiu, na quarta-feira, à derrota do espírito fascista e ditatorial destes setores conservadores. É impossível antecipar o resultado do novo exame daquelas sentenças. Mas isto é outra história, outra luta. O importante, agora, é registrar o avanço democrático registrado pelo voto do decano do STF.