Começa a CPI contra a “agenda da morte” de Bolsonaro
Jair Bolsonaro que se cuide! Os passos inaugurais da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, instalada no Senado nesta […]
Publicado 27/04/2021 21:25 | Editado 27/04/2021 22:13

Jair Bolsonaro que se cuide! Os passos inaugurais da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, instalada no Senado nesta terça-feira (27) e já apelidada de “CPI do Genocídio”, indicam que o governo federal terá dias de tormenta pela frente. Um trecho do discurso do senador Renan Calheiros (MDB-AL), escolhido relator do colegiado, sintetiza o que pode sobrevir para a gestão Bolsonaro. Segundo Renan, o Brasil “tem o direito de saber quem contribuiu para as milhares de mortes” na pandemia – e os responsáveis “devem ser punidos imediata e emblematicamente”.
Em tom sereno, o veterano senador emedebista garantiu que a ciência pautará os trabalhos da comissão. “Nossa cruzada será contra a agenda da morte”, disparou Renan. “Contrapor o caos social, a fome, o descalabro institucional, o morticínio, a ruína econômica e o negacionismo não é uma predileção ideológica ou filosófica. É uma obrigação democrática, moral e humana. Os inimigos dessa relatoria são a pandemia e aqueles que, por ação, omissão, incompetência ou malversação, se aliaram ao vírus e colaboraram com o morticínio.”
Está definido que as investigações terão, como eixos iniciais, dois possíveis crimes de responsabilidade do governo no combate à pandemia: a morosidade na aquisição de vacinas contra a Covid-19 e a propaganda oficial de remédios sem eficácia comprovada cientificamente.
No primeiro caso, já é de conhecimento público que o Ministério da Saúde ignorou ao menos 11 ofertas de fornecimento de vacinas, sendo seis referentes à Coronavac – o imunizante produzido pelo Instituto Butantan, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. É provável que, aqui, o governo vá atribuir uma responsabilidade maior ao ex-ministro Eduardo Pazuello, já que as propostas foram endereçadas diretamente ao ministério.
Porém, com relação ao lobby estatal para o uso da hidroxicloroquina e de outros remédios no tratamento precoce contra a Covid-19, é inevitável que a investigação atinja o presidente em cheio. Bolsonaro já fez mais de 15 aparições públicas ou virtuais nas quais defendia abertamente o uso da cloroquina. Mais do que continuar a se portar como um garoto propaganda de medicamentos ineficazes, ele autorizou a compra e a distribuição de lotes do remédio em escala nacional, além de determinar que laboratórios do Exército o produzissem.
Vale dizer que, se havia questionamentos no começo da pandemia sobre a eficácia da cloroquina e de outros remédios supostamente anti-Covid, essas controvérsias têm se dissipado com o avançar da crise. Mas, desde a primeira onda de Covid, o consórcio internacional Cochrane – que faz revisões sistemáticas em saúde – já apontava que o medicamente não funciona contra o novo coronavírus. A maioria da comunidade científica – seja a brasileira, seja a estrangeira – corroborava esses estudos. Nada disso impediu a atuação ostensiva do governo brasileiro na promoção da suposta panaceia.
Nesse sentido, o que sobressai no discurso de Renan Calheiros é o que ficou subentendido: a CPI pode ser o atalho mais natural para um processo de impeachment contra Bolsonaro. Não há outra forma de punir, “imediata e emblematicamente”, um governo que adotou uma política genocida diante de uma pandemia já altamente mortal.
Mesmo se não tivesse pronunciado uma palavra sequer no primeiro dia de trabalho da CPI, o senador já simbolizava – com sua mera presença – o primeiro revés do governo. Na segunda-feira (26), o juiz Charles Renaud Frazão de Morais, da 2ª Vara Federal do Distrito Federal, atendeu a um pedido da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) e expediu uma liminar que barrava a indicação de Renan à relatoria da comissão. De tão canhestra, a manobra surtiu o efeito contrário.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) – que chegou ao comando da Casa com o apoio do governo – não titubeou em sair em defesa de Renan e da própria instituição. “A escolha de um relator cabe ao presidente da CPI, por seus próprios critérios. Trata-se de questão interna corporis do Parlamento, que não admite interferência de um juiz”, registrou Pacheco. “A preservação da competência do Senado é essencial ao Estado de Direito. A Constituição impõe a observância da harmonia e independência entre os Poderes.”
A própria base governista reconheceu que Bolsonaro, ao preferir o confronto ao diálogo, “queimou pontes” e se enfraqueceu ainda mais na correlação de forças da CPI. Antes que a Comissão fosse efetivada, a Justiça já havia derrubado a liminar pró-Bolsonaro – mas o estrago estava cristalizado.
Diferentemente do processo que levou ao golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff, as bases materiais, agora, são abundantes. O DNA da ação bolsonarista está presente numa série de evidências irrefutáveis de crimes de responsabilidade. Por isso, de fato, o calcanhar-de-Aquiles do presidente na CPI não é Renan ou qualquer outro senador – mas, sim, o passivo destrutivo e homicida de seu governo.
É difícil mitigar a dor das famílias brasileiras pelas quase 400 mil vítimas do novo coronavírus no País. De todo modo, será alentador se a CPI da Covid tiver independência, conseguir apurar amplamente a atuação bolsonarista sob o estado de calamidade e comprovar as numerosas omissões do presidente da República e da gestão federal. Como bem definiu o deputado Renildo Calheiros, líder do PCdoB na Câmara Federal, “a CPI é esperança em meio à paralisia do governo Bolsonaro”. A sorte está lançada para esta Comissão Parlamentar de Inquérito que pode fazer história.