Dilma na ONU: Um apelo por uma ordem mundial democrática

Num mundo carente de líderes que consigam olhar além de seus próprios problemas e preconceitos nacionais, o discurso pronunciado pela presidenta Dilma Rousseff na manhã desta terça-feira (25), na abertura da 67ª Assembleia Geral das Nações Unidas, foi um pronunciamento de estadista.

Ele continha um diagnóstico dos problemas mundiais, uma denúncia do papel exclusivista dos países ricos e uma proposta global para a saída da crise econômica que vai completar cinco anos e não dá sinal de ceder.

A temática do pronunciamento de Dilma foi o extenso leque dos problemas que afligem o mundo. Foi um discurso multifocal, pode-se dizer. Abordou desde a crise econômica (que se agravou, segundo ela, ganhando "novos e inquietantes contornos") até as ameaças à paz. Solidária, condenou o bloqueio imperialista a Cuba, país amigo e internacionalista, que dá grande contribuição às nobres causas da humanidade. Reiterou a defesa do reconhecimento da Palestina como Estado independente como condição fundamental para a paz no Oriente Médio. E ganhou fortes aplausos ao rejeitar, vivamente, a crescente onda de preconceito anti-islâmico cujo centro está nos EUA e na União Europeia.

Disse um não muito claro a qualquer solução militar para a crise síria, cuja solução deve ser encontrada no campo da diplomacia e da negociação; ao mesmo tempo, condenou a violência que lá ocorre. O único reparo que poderíamos fazer é quando atribui maior responsabilidade ao governo de Damasco, quando se sabe que a escalada de violência deriva principalmente dos grupos terroristas e mercenários armados e financiados desde o exterior, que a presidenta também condenou.

Dilma bateu duro nas políticas monetárias expansionistas dos países ricos, dos EUA sobretudo, cujo objetivo é desvalorizar suas moedas para aumentar a exportação de suas mercadorias, prejudicando o comércio externo e a economia dos países emergentes, com o resultado de agravar “ainda mais o quadro recessivo global". Os países ricos, constatou, “não encontraram caminho para ajuste fiscal e estímulo ao desenvolvimento e demanda necessários para interromper a recessão e garantir crescimento econômico”.

Fez uma consistente crítica aos países ricos e discorreu sobre a maneira eficaz de enfrentar a crise econômica, preconizou o abandono das políticas ortodoxas de responsabilidade fiscal e a adoção de medidas de estímulo ao crescimento. Nesse sentido chamou a atenção para a urgência de políticas de combate à fome e à miséria, lembrando que o Brasil vem fazendo sua parte ao resgatar da pobreza cerca de 40 milhões de pessoas.

A presidenta do Brasil recusou com veemência a classificação como protecionistas de medidas de autodefesa econômica tomadas pelos países emergentes, criticando diretamente a tentativa do governo dos EUA de pressionar o Brasil contra elas. "Não podemos aceitar que iniciativas legítimas de defesa comercial por parte dos países em desenvolvimento sejam injustamente classificadas como protecionismo", disse.

Apontou o desenvolvimento recente da América Latina como um exemplo para o mundo ao adotar e fortalecer políticas de integração regional e de cooperação pacífica entre as nações, com inclusão social e políticas de apoio ao desenvolvimento e ao combate à pobreza.

Sua referência à “primavera árabe” trouxe um puxão de orelhas nos países dominantes ao relacionar entre suas causas a miséria, o desemprego, a falta de oportunidade e de liberdades civis, ao lado de outra, mais profunda, o colonialismo: "Não é difícil encontrar nesses acontecimentos as marcas de ressentimentos históricos provocados por décadas de políticas coloniais ou neocoloniais levadas a cabo em nome de uma ação supostamente civilizatória”, acusou Dilma, dirigindo-se explicitamente aos países imperialistas.

O sentido progressista da política externa brasileira – soberana e assertiva, multilateralista e propulsora de uma nova ordem multipolar – manifestou-se no momento em que defendeu a ampla reforma dos organismos internacionais, principalmente do Conselho de Segurança da ONU, que deixou de refletir o mundo atual e tem sido “substituído por coalizões que se formam à sua revelia e sem seu controle”, no qual o “uso da força vem ganhando ares de opção aceitável”. Sua reforma, enfatizou, é de “imperiosa urgência”.

O discurso pronunciado por Dilma Rousseff aponta para saídas e elas não estão no campo militar, no recurso às armas. Dentro da melhor tradição da diplomacia e da política externa brasileira, foi um chamado ao entendimento, à cooperação, à negociação – um chamado pelo desmonte das travas exclusivistas que impedem o crescimento econômico e ameaçam a paz no mundo. Foi o discurso da presidenta de uma nação que com justa razão aspira a um maior protagonismo internacional.