Direita volver na França

A vitória do direitista Nicolas Sarkozy no segundo turno presidencial deste domingo preocupa as forças progressistas, e não só as francesas. A terra da Tomada da Bastilha e da Marselhesa, da Revolução de 1848 e da Comuna de Paris ocupa um lugar especial na cena política do mundo. Assim como há países que se portam como anões políticos, há os que sobrepassam neste quesito a sua estatura econômica, demográfica ou militar: a França é assim.



E eis que a França guina à direita. Sarkozy não é a simples continuidade de seu antecessor Jacques Chirac, embora os dois militem na mesma sigla, a UMP. Está à direita de Chirac, e tem um projeto de longo fôlego.



Está à direita porque ele próprio o diz com todas as letras. Mas também pela sua trajetória, pelo seu programa, pelo seu estilo e ainda pelas circunstâncias da eleição. Chirac obteve o mandato que agora se finda no dramático segundo turno de 2002, com o voto dos republicanos de todos os quadrantes, face à ameaça do ultradireitista Jean-Marie Le Pen. Sarkozy venceu pirateando sem maior pudor elementos da plataforma de Le Pen,  em nome, como disse, de uma ''direita descomplexada''.



Para as esquerdas francesas, hoje fragmentadas, combalidas por um itinerário recente de cedências e incoerências, começa uma fase de resistência – e não por acaso o nome é o mesmo da Resistência Francesa ao invasor nazifascista. A seu favor, contam não só com uma secular tradição e cultura de combate, mas também com feitos recentes como a notável vitória do ''Não'' à Euroconstituiçao neoliberal em maio de 2005. O primeiro desafio virá logo, com a eleição legislativa de 10 e 17 de junho.



Também em nossa América Latina a guinada da França à direita convoca à reflexão e à ação. Aqui, ao contrário da Europa e dos Estados Unidos neoconservadores, tudo parece favorecer as esquerdas. Desde a vitória de Hugo Chávez em 1998 e mais ainda após Lula em 2002,  estas colecionam êxitos: onde não triunfam, avançam.



O feito da direita sarkozyana vem nos recordar que esta tem sido uma tendência latino-americana mas não é um destino escrito nas estrelas. Mais ainda pois se trata de um movimento heterogêneo, desigual, às vezes contraditório ou mesmo conflituoso e ainda pouco digerido no plano da teoria.



A onda latino-americana pode se afiançar, consolidar, galgar novos patamares e até estimular – em certa e modesta medida já estimula – uma volta por cima progressista no plano internacional. Mas também pode sucumbir ou refluir, vítima de suas não poucas insuficiências, como aconteceu em décadas passadas com as frustantes experiências social-democratas na Europa, hoje substituídas por esta preocupante direitização. O desfecho depende de seus protagonistas, de sua coragem, coerência, capacidade unificadora, perspicácia e argúcia estratégicas.