Dois candidatos “muito diferentes”

No debate da noite desta segunda-feira o candidato do bloco conservador, Geraldo Alckmin, voltou a vincar que ele e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva são “muito diferentes”. O bordão tem sido repetido à exaustão neste segundo turno, a indicar que faz parte daquele rol de questões que aparecem nas pesquisas qualitativas e têm o apoio dos marqueteiros.
 
Lula concordou. “Somos diferentes mesmo. Ideologicamente, programaticamente”. Foi talvez o único ponto de concordância no debate. É provavelmente o único consenso político deste nervoso fim de campanha.
 
A diferença atravessa o conjunto dos atributos dos candidatos e daquilo que eles representam. A começar pela questão das classes sociais, decisivas, a despeito do que assevera hoje, renegando seu passado, o cada vez mais desqualificado sociólogo Fernando Henrique Cardoso.
 
Lula não é apenas o retirante nordestino e o torneiro mecânico da grande indústria do ABC Paulista. É também, por incontáveis aspectos da sua biografia e do seu perfil, um fruto da classe social dos que vivem do seu trabalho. As pesquisas —  que lhe atribuem um favoritismo crescente à medida que as faixas de renda se aproximam da base da pirâmide social — são apenas um reflexo pálido dessa identidade orgânica.
 
Em Alckmin a identidade de classe também é elevada. O presidenciável tucano não é em sua origem um filho das classes dominantes brasileiras, mas estas de há muito terceirizaram a sua atuação política. Entre as 20 mil famílias que segundo Márcio Pochmann possuem 80% dos títulos da dívida pública, os votos no candidato tucano provavelmente devem se aproximar também dos quatro quintos.
 
Socialmente, historicamente, ideológica, programática e politicamente, são de fato duas candidaturas opostas. Representam dois projetos de Brasil inconciliáveis. Brasil soberano ou subserviente; democrático ou autoritário; desenvolvido ou estagnado; socialmente justo ou de exclusão social.
 
É claro que no chão da realidade estas distinções nunca aparecem em estado quimicamente puro. Sempre existe um Paulinho da Força Sindical para emprestar alguma tintura proletária à candidatura conservadora. E o país conhece os não poucos hibridismos que toldaram aqui e ali a nitidez do sentido do primeiro governo Lula.
 
Mas quando se vê a floresta e não cada árvore, os contornos da contraposição aparecem com uma força talvez inédita na vida política brasileira. Neste ponto Geraldo Alckmin tem razão.