Equívocos e oportunismo no debate das reservas indígenas

Continua repercutindo a crítica do comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, à política indigenista do governo. No seio deste episódio, há dois assuntos que merecem ser tratados: um deles é o risco de insubordinação militar e o outro é a suposta ameaça à soberania nacional que as reservas indígenas representariam.



Em relação à insubordinação militar, esta deve ser sempre podada onde quer que aconteça pois, num regime democrático, as instituições militares são organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade direta do Chefe de Estado. Por isso, o presidente Lula está coberto de razão ao chamar a atenção do general Augusto Heleno.



Alguns clubes militares se solidarizaram com o general – o que é normal – e o Clube da Aeronáutica subiu o tom e emitiu uma nota ofensiva assinada pelo brigadeiro da reserva Ivan Frota, tido como um saudosista da ditadura militar e conhecido por sua obsessão em criticar o governo.



O problema é que o tom belicista da nota do brigadeiro teve eco em setores na oposição e na imprensa grande, que viram no episódio uma boa oportunidade para, mais uma vez, lançar suas flexas venenosas contra o governo Lula.



Através de notas, artigos e declarações, os adversários da demarcação de terras indígenas sustentam que o país perde o controle sobre as áreas demarcadas e, em faixa de fronteira, isso pode representar uma ameaça à soberania nacional.



São dois equívocos. Em primeiro lugar, as terras indígenas continuam pertencendo à União, que as cede em usufruto. O fato de serem destinadas exclusivamente aos povos indígenas não tira delas o caráter de território nacional.



Outro argumento equivocado é o de que há risco para a soberania pois as áreas de fronteira seriam inacessíveis às forças armadas e à Polícia Federal, facilitando o tráfico, o terrorismo, a exploração ilegal de riquezas naturais, o contrabando e outros crimes comuns em áreas fronteiriças. Isso não é verdade, pois a ação do Estado e de seus órgãos de vigilância nas áreas de fronteira é assegurada por lei, mesmo em reservas indígenas.



Na Amazônia Legal já existem quase cem reservas desse tipo situadas em faixa de fronteira e não há registro de “invasão estrangeira” através delas. Por que só a nova reserva de Roraima representaria uma ameaça?



A ameaça que existe de fato é a do radicalismo. Tanto daqueles que menosprezam o direito dos índios a um pedaço de terra – direito garantido pela Constituição de 1988 – e continuam achando esdrúxula a idéia de que o índio tem o direito de manter sua cultura e seu estilo de vida. Como daqueles que cultivam a idéia equivocada de que somente os interesses dos indígenas devem ser levados em conta quando se estabelece um conflito como o que envolve a reserva Raposa Serra do Sol.



São poucas as vozes sensatas neste debate. Uma delas é a do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Para ele, a demarcação da reserva deveria ter levado em conta os interesses legítimos dos diversos estratos sociais ali presentes. “Ainda há tempo de identificá-los e acomodá-los de forma justa e fraterna, pois ocorre em Roraima a desavença que o dirigente chinês Mao Tsé-tung chamou de 'contradições no seio do povo”.