Fracasso de público do ''Cansei''
A organização caprichou, oferecendo narizes de palhaço, flores e até garrafas de água mineral (estas como brinde da estatal paulista […]
Publicado 30/07/2007 15:28
A organização caprichou, oferecendo narizes de palhaço, flores e até garrafas de água mineral (estas como brinde da estatal paulista Sabesp), tudo grátis. E pesava ao seu favor toda a carga da indignação com as 199 vidas imoladas no desastre da TAM. Para não falar da febril convocação via mídia. No entanto, a passeata do ''Cansei'', neste domingo (29) em São Paulo, foi um fracasso de público.
A Guarda Civil Metropolitana, subordinada ao prefeito Gilberto Kassab (DEM), estimou o número de participantes entre 2.500 e 3 mil. A Polícia Militar, sob comando do tucano José Serra, dessa vez recusou-se a calcular um número. Os organizadores chegaram a falar em 5 mil e 7 mil, enquanto o site de uma das entidades organizadoras, “Nariz de Palhaço'', apurou 800.
Qualquer um destes números representa um fiasco – quando confrontado com o empenho da mídia, da multinacional holandesa Philips (que apareceu em matéria paga no jornal como ''empresa-cidadã''), da OAB-São Paulo (sequestrada pela direita no mandato Luiz D’Urso) e de uma miríade de ONGs em geral de duvidosa consistência. E remete a uma reflexão sobre a dificuldade da classe dominante brasileira para se estruturar enquanto sociedade civil de fato.
A dificuldade ficou patente no Parque do Ibirapuera varrido pelo frio. Os grãfinos convocados para gritar ''fora Lula'', ''corrupto'' e ''ladrão'', numa manifestação supostamente apolítica em um bairro de classe alta da capital paulista, eram uma patética confissão de impotência. E os oradores da passeata, de cima do trio elétrico, bem que admoestaram a ''passividade'' e o ''descaso'' de seu público que preferiu ficar em casa.
São Paulo, o bastião da burguesia brasileira, deu a Geraldo Alckmin 3,8 milhões de votos de vantagem no primeiro turno das eleições de 2006, e 1 milhão no segundo turno. Mas trava na hora de mobilizar gente pelas causas da direita, mesmo quando a tentativa explora a dor de duas centenas de famílias enlutadas.
A própria conversão da mídia dominante em partido político da oposição conservadora tem a ver com essa impotência: é o discurso do conservadorismo em busca de quem o converta em ação. Mas não encontra eco nas classes trabalhadoras, pois conflita com os seus interesses. E tampouco arregimenta as classes exploradoras (em geral pudicamente denominadas ''classes médias''), pois estas preferem usufruir de seus privilégios que fazer passeatas por eles.
Essa impotência mobilizadora não é algo dado para sempre – o que obriga as forças progressistas a acompanharem com vigilância iniciativas como o ''Cansei''. Não foi assim, por exemplo, na Venezuela de 2002-2003, ou no Brasil de 1964, quando a elite golpista ganhou as ruas e conseguiu arrastar consigo boa parte das camadas médias. Mas assim tem sido na cena brasileira recente, apesar das tentativas desde a crise de 2005 até este domingo.
Parte da impotência – vale registrar – deve-se à incapacidade ou relutância das oposições para somar iniciativas como o ''Cansei'' e setores como o PSOL e o PSTU, que são diminutos eleitoralmente mas têm alguma inserção social e capacidade mobilizadora. Tanto uns como outros proclamam o ''Fora Lula''. E agem com freqüência em unidade tácita, por exemplo, no Caso Renan. No entanto, um resíduo de pudicícia tem impedido que saiam às ruas de braços dados. Pelo menos até agora. O que não deixa de ser um êxito ainda que modesto da pudicícia…