Hillary no Brasil: quem ouve as ordens do Império?
Terminou sem sucesso o maior esforço do governo Obama para tornar os Estados Unidos mais influentes na América Latina. No […]
Publicado 04/03/2010 20:26
Terminou sem sucesso o maior esforço do governo Obama para tornar os Estados Unidos mais influentes na América Latina. No roteiro, o giro liderado pela secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, incluía passagens por cinco países, além de conversas com pelo menos 20 chefes de Estado. Mas era na visita ao Brasil que estava programada a missão maior de Hillary: pressionar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a apoiar a imposição de novas sanções econômicas ao Irã.
No meio do caminho das relações bilaterais entre Estados Unidos e Brasil, há um programa nuclear levado a cabo pelo presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. A Casa Branca acusa o Irã de violar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear — que permite a cada país enriquecer urânio a no máximo 20%, para fins pacíficos. Já o Itamaraty não apenas exige provas que sustentem essa denúncia — mas também quer uma solução negociada, à base não de penalidades, mas do diálogo com Ahmadinejad.
Mais que conhecidas, as posições expostas por Estados Unidos e Brasil nessa questão são exemplares dos princípios que regem a política externa de cada país. Ainda assim, por mais que a autonomia do Itamaraty já estivesse consolidada sob o governo Lula, Hillary não poupou demonstrações de força e arrogância durante sua passagem por terras brasileiras.
Veja-se pela entrevista coletiva que a secretária de Estado concedeu nesta quarta-feira (3). Nem a presença, ao seu lado, do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, impediu Hillary de tentar desqualificar o Brasil, acusando-o de ser ingênuo e de se deixar seduzir por Ahmadinejad.
“O Irã fala com o Brasil, a China e a Turquia, e para cada um conta uma história diferente, com o objetivo de evitar sanções. Quando a comunidade internacional falar no mesmo tom, o Irã vai responder. Por isso, achamos que o Conselho de Segurança é o melhor caminho”, afirmou Hillary, que ainda cobrou agilidade: “O tempo para a ação internacional é agora. Apenas depois de aprovarmos as sanções no Conselho de Segurança o Irã vai negociar de boa fé”.
Ora, foram os próprios Estados Unidos que esvaziaram de vez o Conselho de Segurança ao longo dos últimos anos. Não foi a Turquia, não foi a China e não foi o Brasil que ignoraram os apelos da ONU e invadiram o Iraque em 2003, sob o pretexto de combater a existência — nunca confirmada — de armas de destruição em massa.
Diante da hipocrisia americana, o governo brasileiro não passou recibo. “Não é prudente encostar o Irã na parede. É preciso estabelecer negociações”, declarou Lula, enfatizando que tanto o Irã quanto o Brasil têm o direito de produzir energia nuclear para fins pacíficos. Já Celso Amorim alertou justamente para o ponto mais frágil do discurso de Hillary: “Fui embaixador na ONU durante os momentos críticos sobre o Iraque. E o que se viu é que foi um engano. Não se negocia por pressão.”
A tentativa de ingerência americana ocorre num momento em que a América Latina, com o Brasil à frente, cristaliza um processo de integração solidária e soberana. O périplo fracassado de Hillary Clinton sobreveio à criação, em 23 de fevereiro, da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que reúne todos os países do continente, menos os Estados Unidos e o Canadá. Na nova ordem geopolítica da região, o império americano está falando sozinho.