O Caso Renan e as cavalariças

O Plenário do Senado deve decidir nesta quarta-feira (12) a sorte do pedido de cassação do mandato do presidente da Casa, Renan Calheiros. Ele é acusado, a partir de denúncia da revista Veja em maio, de ter gastos de uma filha fora do casamento supostamente pagos por um lobista da empreiteira Mendes Júnior. A votação foi politizada por uma campanha de mídia, capitaneada pela Veja, que exige a cabeça de Renan. Espera-se que os senadores não se verguem a essa chantagem.



Não está em julgamento a trajetória de Renan Calheiros, quase toda percorrida à sombra do governo federal. Nem o padrão ético dos hábitos e costumes da vida política brasileira, sabidamente malcheirosos. O que ocorrerá na sessão plenária de quarta-feira é um teste de forças do Partido da Mídia. Foi ele quem lançou a campanha, quem constrangeu a oposição ordinária a se somar a ela e quem exibirá uma eventual cassação (tida como improvável; as previsões giram em torno de um escore de 46 a 35 contra a cassação) como um troféu de seu poderio.



A mídia dominante fez do escalpo de Renan Calheiros o seu objetivo número um. Julgou e condenou de antemão o presidente do Senado, embora o relatório que pede a cassação, aprovado na Comissão de Ética por 11 votos a quatro, não prove sua culpa, e sim as inevitáveis dificuldades de uma kafkiana tentativa de provar sua inocência.



O alvo foi escolhido a dedo: um aliado do presidente Lula, já que este está forte demais nas pesquisas para sofrer um ataque frontal. Assim como foi selecionado o cenário: o Senado Federal, onde a oposição faz mais sombra à base governista.



Três meses atrás, essa mesma mídia dominante, convertida em partido sem voto nem militância mas capaz de construir e demolir carreiras, sabotou a reforma política. Esta sim, teria sido um passo rumo à democratização e moralização da República; naufragou lamentavelmente na Câmara, sob o aplauso complacente dos jornalões e noticiários de TV, que tinham se posicionado contra os seus pontos essenciais – voto em listas partidárias e financiamento público das campanhas.



Conta-se que, na Grécia heróica, um dos 12 trabalhos de Hércules consistiu em limpar, em um único dia, as cavalariças do rei Áugias, que abrigavam milhares de animais e nunca tinham conhecido vassoura. Para varrer com a estrumeira acumulada, o semideus fortíssimo teve de desviar o curso de dois rios, o Alfeu e o Pireu.



A reforma política teria sido uma façanha comparável. Removeria pelo menos boa parte do estrume que se amontoa no Congresso Nacional e se reproduz nos estados e municípios. Justo por isso se frustrou, com a cumplicidade da mesma mídia que agora volta a usar a fantasia de vestal.



A Veja mais uma vez porta o estandarte. Em seu editorial deste fim de semana, ''espera'' que ''a maioria dos senadores'' vote pela cassação, dando ''alento aos cidadãos cansados de tanta impunidade''.



Enquanto isso, a revista e seus correligionários do Partido da Mídia guardam zeloso silêncio sobre a força-tarefa enviada à Câmara dos Deputados na quarta-feira passada (5) pela Editora Abril, proprietária da Veja, à caça de assinaturas para tentar abortar a CPI Abril-Telefônica, um negócio de R$ 922 milhões, suspeito de violar a Lei do Cabo de 1995 e violar o controle nacional sobre as telecomunicações.



É por isso que o voto justo dos senadores será contra a cassação de Renan Calheiros: para que não sejam os barões da mídia a determinar qual o escândalo que será servido ao país a cada dia, e qual será escamoteado.