O exemplo do jornalismo de Ali Kamel

O portal Vermelho e o diário carioca O Globo protagonizaram, na última semana, uma polêmica instrutiva para quem deseja pesquisar o papel da imprensa em nossa sociedade atual. O debate teve início com a publicação na seção de opinião de O Globo (edição de terça feira, 18/09) de um artigo assinado pelo diretor de jornalismo da Rede Globo Ali Kamel intitulado “O que ensinam às nossas crianças” a respeito do livro didático “Nova História Crítica”, para a 8a. série. O portal Vermelho publicou — com exclusividade — às 15h11 do dia 19 a resposta assinada pelo autor do citado livro, Mário Schmidt. No artigo de Kamel, ele se diz amedrontado com o que leu. E acusa o autor de doutrinação comunista, denunciando o MEC (Ministério da Educação) de distribuir o livro gratuitamente. A  “denúncia” repercutiu na imprensa brasileira e mundial. O jornal O Estado de S.Paulo republicou o artigo de Kamel na íntegra no dia seguinte, acompanhado de editorial na página 3. O diário El Pais, da Espanha e o Miami Herald, nos Estados Unidos, publicaram reportagens sobre o assunto. A agência noticiosa Associated Press reproduziu trechos do texto de Kamel. A revista Época deu continuidade à abordagem falsa de Ali Kamel, referindo-se a textos do livro considerados tendenciosos pelo semanário.


 


Na resposta publicada pelo Vermelho, Mario Schimidt contesta Ali Kamel, dizendo que “Nova História Crítica da Editora Nova Geração não é o único nem o primeiro livro didático brasileiro que questiona a permanência de estruturas injustas e que enfoca os conflitos sociais em nossa história. Entretanto, é com orgulho que constatamos que nenhuma outra obra havia provocado reação tão direta e tão agressiva de uma das maiores empresas privadas de comunicação do país. Compreendemos que o sr. Ali Kamel, que ocupa lugar de destaque nas Organizações Globo, possa ter restrições às posturas críticas de nossa obra. Compreendemos até que ele possa querer os livros didáticos que façam crer “que o socialismo é mau e a solução para tudo é o capitalismo”. Certamente, nossas visões políticas diferem das visões do sr. Ali Kamel e dos proprietários da empresa que o contratou. O que não aceitamos é que, em nome da defesa da liberdade individual, ele aparentemente sugira a abolição dessas liberdades.”


 


O artigo de Kamel esconde o fato de que o livro foi adotado pelo MEC em 2002, gestão Fernando Henrique Cardoso, e deixou de ser adotado em abril deste ano, sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Kamel é conhecedor também do fato de que o processo de seleção de livros didáticos hoje no Brasil é uma política de Estado. Quem seleciona os livros didáticos não é o MEC. As coleções didáticas são selecionadas por diversas universidades conceituadas. Quem faz a escolha dos livros são mais de 50 mil professores, por todo o país, que analisam dezenas de coleções de história disponíveis. Foram eles que escolheram a coleção Nova História Crítica como melhor coleção. O mercado editorial sabe, também, que esta edição é um sucesso maior ainda entre as escolas particulares, que não dependem do MEC para escolher seus livros.


 


Toda essa polêmica vai sendo auto-alimentada como é o caso do articulista da revista VEJA, Reinaldo Azevedo, que escreveu sua peça de acusação ao livro pivô da discórdia, que logo em seguida tornou-se referência para o editorial do Estadão, e que no Blog do mesmo Reinaldo Azevedo se transforma em paradigma e por ele mesmo é citado para sustentar sua tese de que a “esquerda infiltrada” quer conquistar a hegemonia cultural no país e assim por diante. O próprio Kamel tenta se defender no Blog de Reinaldo dizendo que foi enganado pela assessoria de imprensa do Ministério da Educação…Enfim, trata-se de um bom exemplo do péssimo jornalismo perpetrado por Ali Kamel e seus seguidores em vários órgãos de imprensa no Brasil e no exterior.