Os dilemas da reforma política

A proposta de reforma política enviada pelo governo ao Congresso Nacional no final de agosto contém alguns dilemas. Ela introduz […]

A proposta de reforma política enviada pelo governo ao Congresso Nacional no final de agosto contém alguns dilemas. Ela introduz a lista partidária, o financiamento de campanhas e o fortalecimento da fidelidade partidária, o que é positivo. Mas reintroduz a cláusula de barreira (ou cláusula de desempenho) e a proibição de coligações em eleições proporcionais (para deputados e vereadores), medidas que restringem a representação do eleitorado e podem engessar a atuação dos partidos. Quer, finalmente, criar obstáculos para a candidatura dos chamados ''ficha suja'', outra controvérsia pois afasta das disputas concorrentes de moralidade duvidosa ao custo de penalizar aqueles acusados e processados injustamente e que, assim, ficam privados do pleno exercício de seus direitos políticos.



A reforma politica merece debate. A introdução da lista partidária tem o efeito democrático de fortalecer os partidos políticos. Serão eles quem organizarão as listas e o eleitor passará a votar nelas, e não no candidato, sendo eleitos aqueles que, seguindo o posicionamento pré-ordenado, completarem o conjunto de vagas a que o partido tem direito; se o partido tem direito a dez mandatários, são eleitos os dez primeiros da lista, e assim por diante.



O financiamento público de campanha é outra medida de caráter profundamente democrático, que as forças progressistas reivindicam faz tempo. Ela coibe a influência do poder econômico nas eleições sendo, por isso, rejeitada pelos donos do dinheiro pois terão obstáculos para usá-lo como fazem hoje, quando o acesso a maiores recursos tem papel decisivo para desigualar as disputas eleitorais. Com o financiamento público – através do qual o governo destinará recursos aos partidos, para uso em campanhas eleitorais – as disputas ficarão mais igualadas e o resultado será o fortalecimento da democracia com a criação de condições de competição mais equânimes entre candidatos de origem popular e, em consequência, quase sempre com recursos escassos, e aqueles com dinheiro mais farto.



Estes são dois pontos positivos da pretendida reforma política. Mas eles vêm acompanhados por outros dois que já causaram – e ainda vão causar – muita controvérsia. Ao estabelecer um limite de votos – mesmo que mínimo – para o desempenho eleitoral dos partidos, a reforma política reintroduz uma questão já superada pela memorável decisão do Supremo Tribunal Federal de dezembro de 2006: a cláusula de barreira.



Qualquer restrição à representação é um prejuízo para a democracia. Se um partido tiver força para angariar votos capazes de levar um único representante para o conjunto dos 513 que compõe a Câmara dos Deputados, e sua eleição não for reconhecida, seus eleitores ficarão sem representação e quem perde com isso é a democracia. Este é um dos pontos que tornam a cláusula de barreira prejudicial.



Há outra questão. O sistema partidário brasileiro não está consolidado. Ao contrário, as últimas eleições revelam um declínio dos partidos conservadores, e a ascensão de partidos ligados ao povo. É notável, por exemplo, o que ocorre com o DEM, que tem perdido votos a cada eleição. Neste quadro móvel, em que a influência de alguns partidos – e, portanto, de algumas correntes de opinião presentes na sociedade brasileira – declina, enquanto cresce o protagonismo de outras organizações partidárias, a introdução de regras que limitam a representação e a liberdade de coligação entre os partidos pode engessar esse movimento de reorganização das forças políticas. Com o agravante de, no ''tapetão'', criar condições para manter uma situação artificial que tanto valoriza os que declinam quanto desfavorecem as forças ascendentes.



A reforma política necessária é aquela que amplia a democracia, fortalece os partidos políticos, coibe todo tipo de abuso eleitoral e torna as disputas mais iguais com restrições ao uso do poder econômico. Todas as medidas que apontem neste rumo são louváveis, ao contrário daquelas que restrinjam a representação e a liberdade partidária.