PNDH: mais recuos do que avanços contra a tortura

A decisão do governo de modificar o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) mantém alguns avanços importantes mas também apresenta […]

A decisão do governo de modificar o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) mantém alguns avanços importantes mas também apresenta recuos significativos em relação à versão que foi proposta para debate em janeiro passado. Depois de muita negociação, o governo acatou as reclamações dos setores que se sentiam prejudicados, principalmente a igreja e os militares.

Assim, a nova versão deixou de incluir questões fundamentais. Cedeu às pressões dos patrões da mídia e excluiu a previsão de punição a órgãos de imprensa acusados de violação de direitos humanos. Atendeu aos religiosos e retirou a proposta de descriminalização do aborto e de proibição da exibição de símbolos religiosos em prédios do governo. Acatou as pressões dos ruralistas e a idéia de audiências coletivas envolvendo ocupantes de terras, fazendeiros e Poder Judiciário antes da concessão de liminar de reintegração de posse evaporou; mesmo assim a mudança não agradou à senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura, que a considerou uma "maquiagem", nem ao ex-governador de São Paulo, o tucano José Serra, para quem o novo PNDH não respeita o direito à propriedade: a nova versão do plano mantém a mediação nos conflitos pela terra, que cabe, agora, ao Incra, aos institutos de terras e ao Ministério Público.

Entretanto, a parte mais visível e sensível das mudanças apresentadas diz respeito à perseguição, tortura e assassinatos políticos ocorridos durante a ditadura militar de 1964.

As fortes pressões militares resultaram em alterações profundas, que vão desde a maneira de designar a ditadura militar (que foi atenuada) até a extensão do tempo abrangido violações dos direitos humanos, que passa a incluir ações ilegais cometidas desde 18 de setembro de 1946 – uma forma disfarçada de diluir as responsabilidades da ditadura militar ao incluí-la em um período de tempo mais longo.

Em compensação, o governo vai mandar para o Congresso a proposta de criação de uma Comissão Nacional da Verdade, ligada à Presidência da República, embora também com limitações: ela vai examinar, e não apurar, não só os crimes cometidos pela repressão durante a ditadura. E, num eco da anistia "recíproca" autoconcedida pela ditadura em 1979, inclui o exame as ações praticadas por militantes da oposição armada contra o regime dos generais. Isto é um absurdo mesmo porque os heróis do povo que se levantaram contra a ditadura foram punidos por ela com a perseguição, o exílio, a prisão ou a morte, e sua história precisa ser conhecida e divulgada.

A criação da Comissão Nacional da Verdade foi saudada como um "passo adiante no aprofundamento da democracia", disse o ex-deputado federal Aldo Arantes (PCdoB-GO), constituinte de 1988 e ele próprio ex-preso político entre 1976 e 1979.

O reconhecimento e respeito aos direitos humanos ainda é o calcanhar de Aquiles da democracia brasileira. E, tudo indica, vai continuar sendo. Ao acolher propostas oriundas das inúmeras conferências nacionais realizadas nos últimos anos, o PNDH apontava para o avanço democrático ao acentuar o caráter laico do Estado, limitar o poder privado dos latifundiários, instituir normas para democratizar os meios de comunicação e criminalizar a tortura e a violência policial.

Mas o passo ficou menor do que o esperado. A tortura e a violência policial são exemplos do estado de coisas que pode se manter. Só houve diminuição verdadeira da tortura e da violência e arbitrariedade policial nos países que puniram seus torturadores. Mas no Brasil, aquele passado impune ainda assombra as periferias, onde viceja a violência policial e cresce o número de mortos pela ação repressiva. Nesse sentido, como corretamente lembrou Aldo Arantes, a apuração, esclarecimento e condenação da tortura e dos responsáveis por ela, é uma exigência da reconciliação nacional.