Por que Bolsonaro agride e não explica os R$ 89 mil de Queiroz

Amigo da família Bolsonaro de longa data, Queiroz virou um estorvo para o presidente

Pode-se dizer que os recentes arroubos do presidente Jair Bolsonaro contra jornalistas são mais do mesmo. A postura aparentemente cordata que ele vinha adotando, ficou claro, era mera conveniência passageira. A essência autoritária, condizente com o seu objetivo de empreender a ruptura com a democracia, aflorou novamente. Nesse caso, o que irritou Bolsonaro foi o questionamento sobre um dos casos de corrupção a que ele está diretamente envolvido, os depósitos feitos por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro.

A reação truculenta é uma fuga, um escape para não dar as explicações devidas. Os cheques de Queiroz que transitam nas contas do filho e da esposa do presidente são nervos expostos, que a um mínimo toque causa explosões como essas. Ao ameaçar com violência um jornalista e proferir ofensa contra outros, ele agride a liberdade de expressão e leva a crer que o inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro acerta ao anunciar que desbaratou o esquema de corrupção do clã Bolsonaro, naquilo que a gíria policial denomina de “rachadinha”.

O episódio também escancara que a capa de presidente distante de rompantes e ameaças que passou a trajar desde a prisão de Queiroz pode ser atirada ao longe a qualquer momento; basta que ele se sinta acuado pela investigação dos crimes de que é acusado – no passado e no presente – ou quando se sentir forte politicamente. O alvo que está na mira da “porrada” que Bolsonaro falou ao responder ao jornalista, na verdade, é a democracia.

Com essa atitude, o presidente reafirma duas características essenciais do seu projeto de poder. A primeira é a teia de desmandos em que ele e sua prole se enredaram como sustentáculo do seu modus operandi político. O clã sempre se imaginou imune às barras dos tribunais e à malha da lei, dando livre curso a práticas abertamente corruptas. Os casos mais recentes são apenas a ponta de um enorme iceberg, a estrutura de malfeitos que agora começam a vir à tona.

A lista é grande. Passa pela “rachadinha” da Alerj, pela revelação de que a filha de Queiroz, Nathália, teria depositado parte do seu salário na conta do pai quando trabalhou no gabinete do então deputado Jair Bolsonaro, pelos depósitos na conta de Michelle Bolsonaro e pela revelação do antigo dono da loja de chocolates comprada pelo senador Flávio Bolsonaro de que foi ameaçado ao tentar denunciar um esquema de notas frias no estabelecimento.

A segunda característica do projeto de Bolsonaro é o autoritarismo. A confirmação recorrente de que ele é prepotente implica dizer que esse é um recurso de quem não se adapta às regras democráticas, à mediação de ponto de vistas e ao respeito à institucionalidade coletiva, a essência da democracia. Quem cultua a civilidade, e por consequência a tolerância e a capacidade agregadora, não recorre a arroubos, a rompantes e a gritarias.

Uma sucessão de ameaças resulta num cenário de tensão constante. Exatamente o que Bolsonaro pretende. Ódios políticos e demagogia são manipulados para justificar o autoritarismo pronto para ser, primeiro, difundido e, se houver oportunidade, utilizado. Essa é a lógica. Ninguém investe tanto em um projeto que não quer usar.

Esses fatos demonstram, mais uma vez, que Bolsonaro representa uma ameaça real à democracia. Quando se olha atentamente para episódios como esse, constata-se com nitidez que o perigo bolsonarista é maior do que se imagina. Sob o ardiloso pretexto de que o país precisa de uma governabilidade autoritária, ele vai avançando sobre a institucionalidade democrática do país de forma cada vez mais acintosa. É preciso detê-lo.