Seul: a guerra cambial não acabou

Quando o presidente dos EUA, Barack Obama, disse (no dia 11) em Nova Délhi (Índia) que "o que é bom […]

Quando o presidente dos EUA, Barack Obama, disse (no dia 11) em Nova Délhi (Índia) que "o que é bom para os EUA é bom para o mundo", ele expôs a lógica do aparente paradoxo que é a política de seu país.

Obama estava a caminho de Seul (Coreia do Sul), para participar da reunião de Cúpula do G20. Certamente avaliou a repercussão de suas palavras às vésperas daquele fórum que reuniu entre os dias 11 e 12 os governantes das 20 maiores economias do mundo. E cuja pauta era justamente a guerra cambial em que se transformaram as medidas adotadas por cada país para encontrar o caminho de superar a crise financeira que, atiçada pela imprudência e ganância dos banqueiros de Wall Street, contaminou o mundo e não dá sinais de ter fim.

Alguns dias antes da reunião, o FED (Banco Central dos EUA) tomou a medida unilateral de inundar o mercado financeiro com 600 bilhões de dólares no esforço de depreciar a moeda norte-americana e, assim, impulsionar as exportações, retomar o crescimento e criar mais empregos.

Ora, para as demais moedas do mundo a depreciação do dólar significa justamente o contrário: uma valorização forçada. E, com ela, o encarecimento dos produtos exportados principalmente pelos países emergentes, entre os quais a China e o Brasil.

A decisão dos EUA pode ser avaliada sob dois aspectos. O primeiro é a repetição do comportamento, antigo e rotineiro, dos países dominantes de transferir para os demais o custo de seu ajuste econômico interno. Os países imperialistas sempre jogaram sobre o mundo esse custo principalmente através da imposição de medidas cambiais adequadas a seus próprios interesses, não importando se prejudicassem os demais. Na China, em meados do século 19, a Inglaterra chegou à guerra (a Guerra do Ópio) justamente para encontrar um equilíbrio cambial favorável aos ingleses.

Quando a crise da década de 1970 fez crescer a inflação norte-americana a níveis inaceitáveis para eles, colocando o país no caminho da bancarrota, o FED – então dirigido por Paul Volcker, que hoje é um dos “gurus” no combate à crise atual – aumentou unilateralmente os juros em 1979. Inverteu assim o fluxo de capitais que até então eram aplicados em empréstimos externos a países que hoje são chamados de emergentes e, com juros mais altos, voltaram para investimentos nos EUA. Muitos países devedores (todos eles no chamado Terceiro Mundo), como o México e o Brasil, quebraram.

Aquela medida do FED deflagrou a chamada crise da dívida externa, e os países devedores foram forçados a fazer os ajustes onerosos que estão na origem da desordem financeira do mundo nas últimas décadas.

Quando o FED anunciou, unilateralmente, no início de novembro, a decisão de usar 600 bilhões de dólares para comprar títulos do Tesouro americano, repetiu essa política: não importa a desorganização da economia mundial desde que os interesses americanos sejam salvos.

Esta é a lógica da frase dita por Obama em Nova Délhi. E o paradoxo é que ela contraria todas as recomendações que os EUA e os países europeus sempre fizeram aos chamados países emergentes. Sua última e influente versão foi o chamado Consenso de Washington que impôs um draconiano controle financeiro baseado nas privatizações, no estado mínimo, na “responsabilidade fiscal”, no controle de gastos públicos, na liberdade cambial (o câmbio flutuante, baseado no valor de mercado das moedas) e no livre mercado, com o fim do protecionismo nas relações econômicas entre os países. Este receituário faz parte da essência do ajuste neoliberal imposto ao mundo mas que, para enfrentar seus próprios problemas, os EUA não seguem.

Ocorre que, hoje, o mundo já não é o mesmo e a capacidade de resistência das nações cresceu. Se, no passado, as imposições imperialistas eram acatadas quase sem discussão, disfarçadas de “leis econômicas”, hoje elas são enfrentadas como aquilo que são: imposições imperialistas inaceitáveis.

Nestas condições, o mundo vive um quadro de confronto em que as nações resistem contra as imposições que as nações ricas – com os EUA à frente – teimam em praticar. Daí o impasse em Seul, com seu comunicado final limitado, a recusa em discutir assuntos fundamentais como a manutenção do dólar como moeda internacional de trocas, e a transferência do debate das questões fundamentais para outra reunião, no primeiro semestre de 2011.

Até lá, tudo indica, a guerra cambial continua.