Um ano depois, Bolsonaro ainda despreza a tragédia da Covid-19

Foto: Alex Pazzuello

Sob praticamente qualquer aspecto, o governo Jair Bolsonaro transformou o Brasil numa das piores referências internacionais – talvez a pior – no combate à pandemia do novo coronavírus. Nesta semana em que a detecção do primeiro caso de Covid-19 no País completa um ano, não faltam números e fatos a exporem a tragédia brasileira.

Conforme o consórcio de imprensa que atualiza diariamente as estatísticas da pandemia, o Brasil ultrapassou, nesta quarta-feira (24), os patamares de 10 milhões de casos e 250 mil mortes. Em termos absolutos, só perdemos para os Estados Unidos na quantidade de vítimas, apesar de sermos apenas o sexto país do mundo em moradores, com o equivalente a 16% da população indiana e a 15% da chinesa.

Desde 21 de janeiro, o Brasil registra uma média móvel superior a mil óbitos diários por Covid-19 – num reflexo das aglomerações das festas de fim de ano. Ao contrário da tendência verificada no restante do mundo, essa média está crescendo no País, a exemplo do total de mortes por dia, que atingiu, nesta quarta-feira, o recorde de 1.582 óbitos em apenas 24 horas. É provável que alguns estados vivam um repique da primeira onda da doença, enquanto outros parecem já estar na segunda onda.

O atraso na vacinação ajuda a explicar a alta. Quando a enfermeira Mônica Calazans recebeu, em 17 de janeiro, a primeira dose de uma vacina contra a doença aplicada em território nacional, mais de 50 países já haviam iniciado suas campanhas de imunização.

Foi também em janeiro que o Amazonas entrou na mira das autoridades sanitárias, seja pela descoberta de uma variante mais contagiosa do novo coronavírus (batizada de P.1), seja pelo colapso do sistema de saúde. Com uma disparada na média diária de infecções em Manaus (AM), faltou oxigênio hospitalar para tantas pessoas contaminadas. Centenas de pacientes com chances de recuperação foram condenados a uma morte prematura e ainda mais indignante.

Por mais que os números da pandemia no País sejam, por si só, tão expressivos quanto desoladores, o dado que mais escandaliza os brasileiros é a contumaz negligência do governo Bolsonaro no enfrentamento à Covid-19. O DNA bolsonarista está presente em cada dado – em que cada ponto fora da curva – da crise sanitária.

Além de incentivar o desprezo aos cuidados mais básicos – como usar máscara e evitar aglomerações –, o presidente fez inúmeros pronunciamentos, inclusive em cadeia nacional de rádio e TV, para relativizar a gravidade do vírus e comparar a doença a uma “gripezinha”. Numa escalada negacionista sem precedentes no período republicano, Bolsonaro desqualificou a ciência, zombou das recomendações sanitárias, impediu uma atuação mais ativa e preventiva do Ministério da Saúde, chegou a ir à Justiça para intimidar governadores e prefeitos, boicotou as vacinas e burocratizou o quanto pôde o auxílio emergencial.

O fracasso no Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a Covid-19 – com falhas constantes no cronograma, não cumprimento de metas e erros até na distribuição do imunizante – evidencia o descaso da gestão federal. Até o momento, menos de 4% da população foi vacinada – o que retardará por meses o controle da pandemia.

O criminoso exemplo de Bolsonaro, pessoal e institucional, transformou estes 366 dias num ano perdido, marcado por dramas humanos e mortes, além do agravamento da crise econômica, do desemprego e da miséria. O novo coronavírus, ao chegar ao Brasil, encontrou no bolsonarismo o hospedeiro mais favorável à sua disseminação. E assim, um ano depois, o vírus, tal qual o mito grego da Hidra de Lerna, se regenera, sobrevive e nos desafia. O vírus, enfim, continua a abater o Brasil.