Um G20 unido é interesse estratégico brasileiro

A diplomacia brasileira aceitou nesta sexta-feira (25), sem entusiasmo, como mal menor, a proposta do secretário-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), Pascal Lamy, para tirar do impasse a Rodada de Doha. Logo ficou claro que Índia, China, Argentina, África do Sul e outras nações do G-20 discordaram. É um fato a ser levado em conta, com visão estratégica, pois é estratégica a construção do bloco dos países em desenvolvimento para fazer frente ao ditame das metrópoles do mundo.



Foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva que pôs em relevo este fator no exame das divergências no interior do bloco. ''O G-20 não sairá rachado porque isso não faz parte da estratégia que montamos'', disse Lula, em Lisboa, no sábado, quando a proposta Lamy ainda parecia ter chances.



Três dias depois, há evidências de que ela não sairá ilesa do fogo cruzado das críticas, tanto do Terceiro Mundo como da Europa que se aferra aos subsídios agrícolas. Mais uma vez, como em tantas outras nestes sete anos de esforços para desobstruir o comércio mundial, Doha ofega à beira do colapso, que pode criar o pior dos mundos para os países mais pobres.



O Itamaraty parece ter agido no fio da navalha da lógica dos compromissos, um componente inseparável da diplomacia e dos conflitos humanos em geral. Os sindicalistas sabem disso.


 


Há compromissos e compromissos, desde os obrigatórios até os inadmissíveis. Lênin, numa metáfora célebre, lembrou a diferença entre o compromisso de quem, assaltado por bandidos, entrega suas posses para salvar a vida, e o compromisso de quem se une à quadrilha de assaltantes. O diabo está justamente na terra-de-ninguém dos
compromissos de meio termo, nem indispensáveis, nem abomináveis.


Em tais casos, a melhor conselho é o dos interesses estratégicos. E estes obrigam a recomposição da unidade do G-20, com base em seus denominadores comuns. Fora dela, com acordo de Doha ou sem ele, imperará o ditame das metrópoles.



As nações em desenvolvimento têm assimetrias, disparidades, interesses plurais e às vezes conflitantes. Assim como, dentro de uma mesma sociedade nacional e até de um mesmo governo, há conflito e luta – basta ver, sobre Doha, a desastrada interferência do ministro Reinhold Stephanes, em nome da grande lavoura exportadora e na contramão do penoso esforço diplomático brasileiro.



A grandeza do bom estrategista está em distinguir no emaranhado contraditório da realidade concreta os fatores cruciais capazes de transformá-la favoravelmente. O G-20 pertence a essa categoria e a diplomacia brasileira é das que mais agudamente o percebem.




Nunca será fácil ou amena a tarefa do Bloco do Sul em um mundo configurado pelos interesses do Norte. A Rodada de Doha e toda a estrutura da OMC não existem para facilitar-lhe a vida. Já é uma façanha notável que tenha percorrido estes cinco anos e se projetado como um protagonista da dimensão que adquiriu. Fazer com que o G20 passe pela prova a que está sendo submetido em Genebra é um imperativo para que
mais de dois terços da humanidade alcancem uma ida melhor. É também o melhor caminho para fazer valer os interesses nacionais brasileiros.