Uma afronta à democracia, à Constituição e ao STF

Em dezembro do ano passado, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade da denominada cláusula de barreira. Com densa argumentação jurídica e política os integrantes do STF demonstraram sob diversos ângulos que a cláusula mutilava a democracia, desrespeitava a Constituição, afrontava o próprio Estado democrático de direito à medida que ceifava o pluralismo político, a soberania do voto popular, o federalismo e sufocava as minorias. Nas palavras do relator, ministro Marco Aurélio, o objetivo da cláusula era instituir ''a ditadura da maioria. ''
 


Reiniciado a legislatura de 2007, veio a revanche dessa dita maioria que ambiciona subjugar Congresso Nacional ao monopólio de meia dúzia de legendas. O conservadorismo pelas mãos de um seu velho servidor, o senador Marco Maciel, apresentou a PEC  02/07 com o objetivo de ressuscitar a cláusula de barreira. E nesta quarta-feira, dia 28, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em rito sumário, com a pressa de quem teme o debate, com agilidade de quem tem consciência que está cometendo um delito, aprovou sua admissibilidade constitucional.



Aqui surge a primeira questão. Em  dezembro do ano  passado, a mais alta corte de justiça do país a quem cabe zelar, resguardar e defender a Constituição da República, por unanimidade, decide que a cláusula fere vários princípios constitucionais, inclusive artigos pétreos, como que, agora, a CCJ do Senado, considera cláusula constitucional?



Não há base constitucional para isso e a justificativa de quem tenta ressuscitar a cláusula provém não da ''força argumento, mas do argumento da força.''



Uma suposta maioria formada pelos autodenominados grandes partidos, tencionam aprovar a PEC na lógica ditatorial da força. Raciocinam eles: ''Se o STF enterrou a antiga lei que estabelecia a cláusula alegando que ela não tinha amparo constitucional, tudo é muito simples: temos força, temos votos mais do que bastante para ''enxertar'' um galho na Constituição e assim o STF não poderá alegar falta de amparo constitucional.''



Como bem demonstrou o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE ), no seu voto em separado,  esse raciocínio movido por uma galhofa dos tempos do arbítrio de que ''maioria manda e a minoria geme'' é tão simplório quanto falso.



O tal galho que querem ''enxertar'' na Constituição é ''um galho podre”''posto que conflitante com princípios basilares da Carta Magna.  Diz o senador Inácio Arruda:
''Assim, a PEC que ora analisamos fere o art. 1º, V, da Constituição Federal, que declara expressamente como princípio fundamental da República Federativa do Brasil o pluralismo político''. Além disso, a PEC fere outros princípios, tais como: o da isonomia, da igualdade de oportunidades, razoabilidade e, ainda, o princípio da separação de poderes.



Vem a pergunta de um cidadão do povo. Pode uma emenda constitucional ferir, se conflitar, com artigos fundamentais da Constituição? É óbvio que não. Ao não ser que a suposta maioria queira rasgar a Constituição, pisoteá-la, desfigurá-la, adulterá-la, sob o argumento da força, sob o argumento que tem votos o bastante para tal. Como alertou o Senador Inácio Arruda: ''O autor ( senador Marco Maciel) cometeu um erro crasso de entendimento, se pensa que apresentando uma PEC está livre do controle de constitucionalidade.''


 


Aprovada na CCJ sua admissibilidade, a PEC, agora, será debatida e votada no plenário do Senado, depois será votado na Câmara dos Deputados. Cada parlamentar, cada Líder das bancadas partidárias terá que perante o povo brasileiro proclamar o voto dos partidos sobre essa matéria. Será uma votação emblemática. Será revelado à consciência democrática da Nação quem é quem na defesa da democracia em nosso país.


 


A fidelidade e o apreço de um partido à causa democrática se revelam não pelo seu discurso, nem mesmo pelo seu passado, mas pela atitude que ele adota em face de questões concretas. Tal como agora quando a democracia corre o risco de ser mutilada por uma ''conspirata'' capitaneada por aqueles que querem excluir as minorias do Congresso Nacional e impedir na prática a presença delas na vida institucional do país. Essa verdade não é proclamada apenas pelos chamados pequenos partidos, mas uníssonos, por todos os ministros do Supremo Tribunal Federal.


 


Por isso, votar pela volta da cláusula de barreira é cometer um crime contra a democracia. É pactuar com um modelo restrito de democracia arquitetado pelo fracassado neoliberalismo. É pactuar com aqueles que querem reduzir o Congresso a um clube fechado ao qual só teria acesso ''seletas'' legendas, sem a necessária vigilância e crítica das minorias. 
 


 


Votar pela volta da cláusula de barreira é ressuscitar uma aberração jurídica cujo objetivo, como disse o presidente do Superior Tribunal Eleitoral, ministro Marco Aurélio, é instituir ''a ditadura da maioria.''