Vaticano quer conciliar fé e evolução
A Conferência Internacional Evolução Biológica: Fatos e Teorias, reunida no Vaticano desde terça feira (termina no sábado, dia 7) sinaliza […]
Publicado 06/03/2009 11:27
A Conferência Internacional Evolução Biológica: Fatos e Teorias, reunida no Vaticano desde terça feira (termina no sábado, dia 7) sinaliza um passo importante da hierarquia católica em relação à ciência.
Preparada durante dois anos, a conferência – que ocorre no ano em que se comemoram 200 anos de Charles Darwin e 150 da publicação de seu livro Origem das Espécies – tem o objetivo, disse seu diretor, o sacerdote jesuíta Marc Leclerc, de ''reflertir sobre a dimensão de um acontecimento que marcou a história da ciência e influiu sobre a maneira de comnpreender a humanidade''.
A ambição deste objetivo reside no esforço para conciliar ciência e religião. A ''evolução biológica e a criação não se excluem'' pois ''a evolução é a maneira pela qual Deus cria'', diz o programa da Conferência. Não se trata de dar legitimidade à teoria oposta à evolucionista, que surgiu nos EUA e é corrente nos meios criacionistas mais conservadores, chamada de ''Desenho Inteligente''. Segundo ela, a complexidade da natureza, do Universo e da vida pressupõe a existência de um propósito inteligente, atualizando a velha idéia (que tem alguns séculos) do Grande Relojoeiro: quando olhamos um relógio, sabemos que foi feito por um relojoeiro; o mesmo deve ocorrer quando olhamos o Universo, supondo a existência de um criador para ele.
A conferência que ocorre no Vaticano rejeita estas idéias simplistas e quer conciliar a interpretação baseada na Bíblia com as descobertas da ciência. Este é um problema crucial para os religiosos modernos. Como disse o professor de teologia Eduardo Rodrigues da Cruz, da PUC-SP, ouvido pelo jornal O Estado de S. Paulo, o desenho inteligente ''é má religião e má ciência'', e aceitar ao pé da letra muitas passagens da Bíblia (que foi escrita três há milênios) ''ofende o sentimento moderno''.
Há um mérito nestas posições: o reconhecimento da verdade dos fatos da ciência tem um âmbito próprio, formado pela comunidade científica, pelos estudiosos e pelos institutos de pesquisa. Já vai longe o tempo em que a hierarquia católica tinha a pretensão absurda de resolver problemas alheios à sua competência. Um exemplo, entre inúmeros, foi o tratamento dado ao também jesuíta Teilhard de Chardin que, sendo um religioso foi um também um grande antropólogo, ganhando fama em 1929 por ter participado da descoberta do chamado ''homem de Pequim''.
Chardin teve dificuldades com a hierarquia desde o começo da década de 1920, quando os superiores da ordem de Santo Inácio mandaram que deixasse de ensinar. Perseguição que se multiplicou ao longo das décadas seguintes. Em 1957 um decreto do Santo Ofício (a velha Inquisição) mandou retirar seus livros das bibliotecas de instituições e livrarias católicas, não podendo ser traduzidos para outros idiomas. E qual o crime deste jesuíta? Sua postura científica. Num livro de 1937, ele escreveu: ''Encontramo-nos diante de um problema da natureza: descobrir, caso exista, o sentido da evolução. Trata-se de resolvê-lo sem abandonar o domínio dos fatos científicos''. Uma postura que contrastava com as severas restrições ao evolucionismo, evidenciadas pelo papa Pio XII na encíclica Humani Generis, de agosto de 1950.
O problema de conciliar fé e ciência é um desafio para os religiosos. Para os demais, a Conferência que ocorre no Vaticano tem o significado preciso de reconhecer que a ciência tem seu âmbito próprio e ninguém pode deixar de levá-la em conta na explicação dos fenômenos naturais e humanos – e isto cabe aos cientistas, aos pesquisadores e aos estudiosos.