A ditadura militar na arte de Tereza Costa Rêgo

No primeiro dia do mês do seu aniversário de 91 anos, a artista plástica Tereza Costa Rego, está novamente reclusa, às voltas com as vértebras cervicais em recuperação após uma queda e com as recordações de outro 1º de abril, o de 1964. Naquele dia, sua vida mudou completamente.

De quarentena na casa da filha, a jornalista Maria Tereza Rozowykyviat, ela cedeu para a Marco Zero a imagem digitalizada do mural Sete luas de sangue, um quadro de quase dois metros de altura por nove de comprimento.

Concluído no início desta década, quando a artista já havia passado dos 80 anos, o quadro foi composto a partir de suas lembranças do golpe de 1964 em Pernambuco.

O vírus da clandestinidade

Até 31 de março, Tereza era uma jovem e paparicada dama da sociedade. Casada com um juiz de Direito, mãe de duas filhas e presença certa na lista das mais bonitas e mais elegantes das colunas sociais dos jornais recifenses. Quando os tanques tomaram as ruas no dia da mentira, ela passou a se expor corajosamente para, primeiro proteger seu amante e, depois, fugir com ele, Diógenes de Arruda Câmara, uma das principais lideranças comunistas do país.

Naquele dia, ela saiu da clandestinidade metafórica que vivia como dama da sociedade para outra clandestinidade, esta bastante literal.

Em primeira pessoa, ela conta como a vida sob a ditadura militar influenciou sua arte:

“A ditadura foi determinante para minha arte porque vivi tudo aquilo intensamente, me tornei uma mulher madura na ditadura e no exílio. Foi um período muito difícil e que lembra muito a loucura dessa quarentena que estamos passando agora. No final dos anos 1960 e 1970, houve dias como esse, em que não a gente precisava ter todo cuidado para ir até a esquina para a polícia não pegar. Agora, em 2020, as pessoas estão tendo que se comportar de maneira parecida pra o vírus não pegar. Temos que ficar dentro de casa, uma vida clandestina para escapar da doença”.

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O tempo não venceu Tereza Costa Rêgo

Sete luas em primeira pessoa

“Em Sete luas de sangue o que aparece em primeiro plano é a pátria nua, prestes a ser devorada sobre a mesa, numa  ceia larga composta por figuras históricas, militares e engravatados. São os mesmo que sempre estiveram à mesa na história do Brasil. À cabeceira da mesa, em pé, deveria estar a Igreja Católica, está apenas a silhueta de dom Hélder Câmara, que não participa da ceia.

O mais difícil nesse quadro foram as cenas ao fundo. Pintei não sei quantos elementos, centenas eu acho, talvez mais de mil, pequenos elementos. É o contexto em que a pátria está sendo servida. Tem a deposição de Miguel Arraes sendo levado do Palácio do Campo das Princesas num fusca e a tortura em praça pública de Gregório Bezerra , o líder comunista camponês. É um quadro sofrido.

Por fim, é importante lembrar Arraes. Eu era muito amiga da irmã dele, Violeta. Era comum ir lá na casa da família Arraes para brincar e conversar com Violeta. Eu jantava e almoçava na casa deles, todo mundo reunido. Arraes, para mim, era Miguel, mas quando ele virou prefeito e, depois, governador, passei a chamá-lo de ‘doutor Arraes’, como todo mundo fazia, mas eu me sentia meio ridícula chamando ele de Arraes. Era um homem de muito espírito público. Faz falta num momento como esse.”

Fonte: Marco Zero

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