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Publicado 26/02/2008 19:18 | Editado 13/12/2019 03:29
Os que chegam em nosso mundo encontram um tempo de muitas palavras. A televisão, a internet, a política, a educação, os jornais e as revistas produzem incessantemente informações. Palavras sobre o mundo, as pessoas e a natureza. Por outro lado, se depararão com a nossa solidão, o nosso medo e a violência. O filósofo húngaro Georg Lukács diz, melancolicamente, sobre o nosso mundo que “ser homem significa ser solitário”. Os novos estranharão a incomunicabilidade de um tempo de tantas palavras. E esta contradição diz mais de nós mesmo do que as próprias palavras.
O poeta paranaense Paulo Leminski conta a história de um tempo muito feliz para a poesia, uma época em que só era permitido fazer um poema com três palavras. Depois desse tempo, os poetas descobriram que se poderia fazer poesia com quantas palavras quiserem. Mas o tempo feliz da poesia era também um tempo feliz da palavra e dos homens. Se existe felicidade, uma proximidade verdadeira entre as pessoas, não é necessário tanto palavrório. O psicólogo russo Lev Semenovich Vigotski afirma que, para Tolstoi, “quando duas pessoas vivem em íntimo contato psicológico, essa comunicação por meio da fala abreviada constitui a regra, e não a exceção”.
Longe desse tempo as palavras devem conter em si esta recordação. As palavras guardam em algum lugar a saudade do tempo em que valiam a felicidade dos homens, assim como guardamos em nossos sonhos recordações de felicidades de nossa infância. Estas imagens oníricas é o que nos motiva, o que acende e ilumina os nossos desejos. Por isso, é preciso sonhar e, talvez, não se esquecer de acreditar no sonho feliz da palavra.
Joaquim Pedro Barbosa, poeta mineiro, lançou recentemente o seu primeiro livro de poesia, Caderno Verde: Haicais e Outros Menos, querendo assim mostrar para todos sua amizade com as palavras. Os bons amigos são fiéis à infância. É uma cumplicidade de poucas palavras, de quem sabe que é a infância o verdadeiro lugar do desejo. Este encontro aparece feliz no poema, “crescer/ CRESCER/ até virar/criança”, e brincando com a chuva, “quanta goteira!!!!/ no lugar da telha/ uma torneira”.
No entanto, esta literatura não vira as costas para o mundo com seus ruídos e tumultos, é solidária com a cidade grande. “Quanta coisa Nova na metrópole/ inclusive a lua”. Refere-se à leitura, e a nossa insistente incapacidade de repartir este ato a todos, de uma forma bem-humorada, como se houvesse insatisfação da própria palavra, “o anal-fa-batismo/ é um c…”. A leitura é, ou deveria ser, uma luz a iluminar corações e mentes, “acendeu a luz e leu/ leu e a luz se acendeu”.
O Caderno Verde de Joaquim Pedro Barbosa é um livro sobre a natureza. Não esta natureza, que serve de pretextos e subterfúgios de homens que não sabem olhar nem para si próprio, nem para os outros que os cercam, criando apologias que lhes permitem destruir e dormir em paz. Na natureza dos poemas de Joaquim Pedro estão o homem, a cidade, os bichos, as plantas e a palavra. E assim, como um velho ditado, se refere ao Cerrado, “Deus escreve certo por lenhas tortas”. Sobre a liberdade, sem a qual não são possíveis a invenção, o amor e o canto, escreve, “da gaiola/ só o canto/ voa”.
A leitura dos poemas de Joaquim Pedro Barbosa, tão infinitamente pequenos, é um caminho a tão demasiada e leve grandiosidade da palavra. É um encontro com os tempos antigos e felizes da palavra. Os que chegam ao nosso mundo terão orgulho de saber da existência de um sonho em que o mais importante e fundamental a ser extraído da natureza é a sua beleza, para assim poderem imaginar uma segunda natureza mais humana.
Publicado no jornal O Popular.
Goiânia- Goiás
André Luiz dos Santos é psicólogo, mestre em Educação pela UFG e professor da UEG