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Augusto concreto

Aos 86 anos de idade, Augusto de Campos recebeu o Grande Prêmio de Poesia Janus Pannonius, do PEN Club da Hungria.

Por José Carlos Ruy

Augusto de Campos - Divulgação

O prêmio foi atribuído a ele em 8 de setembro de 2017 e, no dia 23 de setembro o poeta viajou para o país centro europeu para ser agraciado.

Apesar da importância do prêmio – considerado pelo New York Times como o “Nobel” da poesia -, a mídia empresarial e patronal brasileira calou-se de forma absoluta. Afinal, como diz o próprio poeta, ele se tornou persona non grata para essa mídia conservadora desde que denunciou o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e se tornou um dos críticos mais severos dos rumos que, sob o mando do ilegítimo Michel Temer, a política e a cultura tomaram no Brasil desde então.

O Janus Pannonius não é o único prêmio internacional recebido recentemente por Augusto de Campos – em 2016 a presidenta chilena Michelle Bachelet entregou a ele o Prêmio Ibero-americano de Poesia Pablo Neruda.

Não é necessário falar da importância de Augusto de Campos, criador, desde a década de 1950, com seu irmão Haroldo e o peta Décio Pignatari, do concretismo. E difundiu, pelo mundo, a poesia concreta que une as dimensões literária, plástica e sonora das palavras, dos grafismos, do som, e por aí vai numa compreensão revolucionária da relação entre forma e conteúdo na obra poética.

Augusto de Campos é hoje o principal poeta brasileiro e, octogenário, mantém a mesma intensa atividade que sempre o marcou – publicando livros, realizando exposições e, principalmente, participando ativamente da vida política do país com opiniões claras e pertinentes pela democracia e o progresso social, contra a direita, o atraso e o retrocesso. É um lutador incansável! Como deixou claro em entrevista recente ao jornal argentino Pagina 12, da qual o Vermelho reproduz aqui um trecho significativo.

As opiniões de Augusto de Campos



“Prefiro pensar e referir, mais genericamente, ao estado de preocupação em que nos encontramos; apesar do avanço tecnológico, já no século 21, diante da incapacidade de reduzir as desigualdades econômicas e a exacerbação de ideologias retrógradas que ameaçam expandir essa lacuna em favor de interesses lucrativos de grupos mais favorecidos, hostis a qualquer das medidas que buscam mitigar suas fortunas e distribuí-las com maior racionalidade e solidariedade. Nesse sentido, a busca de novas formas de comunicação e informação poética parece justificada para mim, pois desestabiliza convenções enraizadas e pensamentos conservadores que se alinham com as áreas mais relutantes em mudar e inovações progressivas de costumes e idéias. Veja, neste momento, as novas tentativas do machismo enraizado das sociedades patriarcais no sentido de desmoralizar as reivindicações feministas contra o assédio sexual”.

"No Brasil, a poesia de vanguarda sempre foi malvista pela grande mídia e pela imprensa. A poesia concreta foi majoritariamente hostilizada durante mais de meio-século pela crítica universitária e jornalística. Ao cabo de algumas décadas, principalmente devido à repercussão internacional do movimento literário que lançamos no Brasil, em 1956, com poucos pares na Europa, a imprensa “teve que nos engolir”. Minha primeira antologia de poemas, em edição não financiada por nós mesmos, saiu em 1979, quando eu já tinha 48 anos de idade e 20 de poesia. Hoje, tenho editores que garantem a continuidade do meu trabalho poético. Mas o Brasil retroagiu e atravessa uma fase de grande mediocridade cultural. A poesia que se pratica, de um modo geral, pelo menos a que se vende exitosamente nas grandes editoras, é uma poesia que para mim não existe mais. Um misto-requentado de modernismos fáceis e consumíveis, que, comparado a obra dos grandes mestres da modernidade e do passado, se reduz a dimensões diminutas. Os jornais, que há algumas décadas abrigavam a poesia em largos espaços, encolheram-nos e, onde havia poemas, hoje só se trata de cinema de consumo, música popular vendável e outros divertículos. O título “Cultura” é coisa do passado. Está sendo substituído por “Entretenimento” e “Diversões”. Colaboram os amigos do rei, os intelectuais de direita e/ou inofensivos, e uma chusma de estagiários em tudo. Somou-se ao desinteresse e à desinformação a censura política. A grande mídia e a imprensa brasileiras não deram sequer uma linha sobre o prêmio Janus Pannonius, que recebi, embora vivam a aplaudir banalidades de todo tipo, inclusive a nossa mais vulgar investida no funk de segunda e no rap de terceira, como se fossem altas manifestações da cultura brasileira. O intelectual no Brasil continua a ser “um pobre diabo”, como afirmava Oswald de Andrade. E o Brasil, “o país de cabeça para baixo”, de que falava Tom Jobim. Qualquer reconhecimento inteligente é criminoso, e o poeta, culpado. “A burrice está na mesa”, já dizia Tom Zé, em tempos melhores… Soma-se a isso a perseguição política. Eu virei “persona non grata” de jornais desde que ousei protestar contra o inglório “impeachment” da presidente Dilma , variante civil do golpe de 1964, que, como então, a grande mídia apoiou, açulando o verdeamarelismo abobalhado da lumpenosa família paulista. Mas eu avisei, e deu no que deu, e no que está dando. A nossa democracia desmoralizada, a perspectiva de eleições fraudadas e da volta à milicocracia. Inquisidores super-salariados politizando a justiça, desmoralizando-se e terminando por descaracterizar o que seria uma luta contra a corrupção e que se vai transformando numa corrida persecutória contra a esquerda brasileira."




“O pulsar”, nasceu em 1975. Em 1984, Augusto produziu o videoclipe do seu poema em parceria com a música de Caetano Veloso.




"Augusto de Campos – Poésie Verbivocovisuelle", re-inaugurando a galeria da Embaixada do Brasil em Bruxelas (Bélgica).




No Sesc Pompéia, o mítico poema concreto “Viva Vaia”, transformado em uma escultura penetrável.