Celso Marconi: O cinema de Helena Ignez

Como cineasta, Helena demonstra ter tido mais influência do cinema de Sganzerla

Sempre tive uma certa rejeição pelos filmes que Helena Ignez realizou, e por isso mesmo somente nesta semana vi estes três – Ralé, Feio, Eu? e A Moça do Calendário. Embora só tenha gostado de Ralé, pelo menos cheguei à conclusão de que a atriz realmente tem ou teve garra real para fazer cinema. E não estava fazendo filme apenas por ter vivido com dois líderes do nosso cinema, Glauber e Sganzerla.

Embora eu tenha falado com Glauber só uma vez na vida, conheci Helena aqui no Recife, quando ela passou na cidade alguns dias. Não sei bem o que ela estava fazendo aqui, mas a época foi quando ela se separou de Glauber, logo depois.

No começo, Helena Ignez era só intérprete e participou do curta que lançou também o próprio Glauber como cineasta, O Pátio. Não era uma figura típica da Bahia e certamente assim não teve dificuldade em se lançar como atriz. Como cineasta, ela demonstra ter tido mais influência do cinema de Sganzerla.

Os três filmes que comento aqui estão à disposição no site Making Off.

Ralé é um filme feito sem autocensura e com vontade de dizer o que ela pensa, acreditando num público psicologicamente maduro, que irá refletir sobre o que verá. Não há nenhuma cena que se possa julgar como pornográfica. Pelo contrário, todo o filme é de uma extraordinária beleza – e isso nas sequências de maior expressão dramática.

Helena declara que houve uma livre inspiração na peça Ralé, de Máximo Górki. Do pouco que conheço da, me deixou pensando que houve um aproveitamento da estrutura geral no sentido da estória, que se passa numa espécie de porão de uma casa. Li um comentário que o nome original da peça em russo seria No Fundo e que Ralé seria um nome impróprio para nomeá-la.

Me parece, porém, que ao menos no filme de Helena Ignez o nome tem um sentido que valoriza essa “ralé”, que seriam os personagens criados e que giram durante o drama. Podem ser ralé para a sociedade, mas são gente primorosa para quem criou o drama, inclusive para Górki.

E Helena Ignez conseguiu uma excelente equipe de intérpretes, com muita gente fundamental de teatro, a partir de José Celso. Não só os atores são excelentes como toda a equipe técnica, a fotografia, a cenografia é de extraordinária beleza. E mesmo pensando que se trata de um filme muito denso, que não será fácil para um público não maduro, considero que não há agressividade enquanto visualização.

Feio, Eu? é um filme que poderia ter crescido muito se, em vez de buscar a documentação, Helena tivesse partido mais para uma criação imaginativa, que havia de ser procurado criar com muito mais imaginação. As figuras da Lapa do Rio de Janeiro que ele registrou foram mais aproveitadas como seres reais que são, mas Helena tinha que partir para transformá-las em grandes personagens para termos, então, um filme fantasioso e tão belo quanto Ralé.

Claro que é um trabalho forte, esse de documentar essa população marginal do bairro carioca e a obra tem qualidade artística. Entretanto, sentimos que há uma margem para mais sensação e nesse sentido esquecer o real seria o caminho. Helena Ignez dá a impressão de que se contentou com essa beleza exposta e somente ganha com a simples presença dessas figuras, que na verdade já são especiais porque vivem fora do mundo real o cotidiano. Mas o cinema exige mais do que essa simples aparência, e em Ralé a artista baiana mostrou que tem capacidade para criar. Feio, Eu? é um bom produto cinematográfico, mas deixa a impressão de que poderia ser mais forte se tivesse se aberto para o expressionismo.

Em A Moça do Calendário, Helena aproveitou um “roteiro” de Rogério Sganzerla para fazer esse filme. A verdade é que esse “roteiro” de Rogério não deveria ser senão uma sinopse, talvez estendida, pois o pessoal do udigrudi nunca se preocupou em realizar roteiros didáticos. O que eles faziam eram sugestões escritas à noite e filmadas de manhã de forma inversa daquela buscada. E Glauber, mesmo sem ser udigrudi, sempre fez essa forma prática. O roteiro era mais para contentar o produtor. Como até certo ponto era o caminho do próprio Godard.

Por isso, embora Helena declare que o roteiro é de Sganzerla nesse A Moça do Calendário, o certo é que as sequências tenham sido preparadas por ela mesma, seguindo uma linha original apenas no que seria a estória de um rapaz que vivia dois “personagens”, um Inácio funcionário de uma oficina, e outro, um Inácio filho de um latifundiário. E no meio vivendo a ação de um grupo revolucionário. O resultado conseguido por Helena Ignez é muito menos positivo do que o que ela realmente pretendia.

O que está dito através do texto falado é uma coisa, e o que é expresso através da imagem, bem outro. As sequências nem sempre se dão continuidade e até mesmo exprimem pensamentos perdidos. E não têm a beleza que, por exemplo, Ralé mostra ser o cinema de Helena Ignez. Faltou mais profundidade, mais clima denso, mais beleza, embora os objetos de cena pudessem apresentar beleza. Mesmo os intérpretes mostram uma forma de interpretar falida. Sem naturalidade.

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