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Dorberto Carvalho: Miudos

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Almoçava e jantava miúdos de galinha, às vezes omelete e uma coisa que eu gostava muito: miolo de boi empanado. Comia o miolo de boi enquanto meu pai dizia: “com limão é mais gostoso”, e era. Outras vezes comíamos salada de sardinha, com “muita e muita” cebola e meu o pai dizendo: “cebola deixa a gente inteligente”, nunca duvidei disso. A gente tinha uma vida miúda e feliz, mesmo com meu pai reclamando: “com a carestia indo do jeito que vai, ninguém agüenta pagar”, ninguém vírgula, “só os peixe graúdo”. Peixe graúdo por que? Sei lá, mas todo mundo na rua em que eu morava era empregado de algum peixe graúdo.


 


No dia em que viemos pra São Paulo, ao descermos na rodoviária da luz, meu pai disse: “Eu não tenho medo de trabalhar, trabalhei nove anos na Dunlop”. Sete anos mais tarde ele estava internado num sanatório no interior do Estado. Certo dia em que eu fui visitar, voltei pra São Paulo pensando se aqueles putos tinham coragem de colocar camisa de força no velho. Pouco tempo depois eu o encontrei novamente, estava com a barba por fazer, estirado no caixão.


 


Ainda hoje como miúdos de galinha, às vezes omelete. Não sei por que, mas agora me dei conta que nunca mais comi miolo de boi empanado, mas sei que com limão é mais gostoso. Sempre como cebola, porque cebola deixa a gente inteligente. Não tenho medo de trabalhar, trabalho desde os treze anos. Sempre desconfio dos “peixe graúdo” e odeio os putos que colocam camisa de força nas pessoas.