Sem categoria

Jeosafá Gonçalves: Mário do quê? 

Para a maioria dos paulistanos que já ouviu falar em Mário de Andrade, ele é apenas um nome de biblioteca no centro da cidade. Entre esses, poucos se dignaram sequer a entrar na biblioteca à qual ele emprestou o nome. No entanto, todos os que habitam, trabalham e sofrem no emaranhado de ruas de São Paulo lhe são devedores. Antes dele, esta cidade estava praticamente fora do mapa literário do país.

Por Jeosafá Fernandez Gonçalves*

Aliás, quando da Semana de 22, cuja importância cresce quanto mais nos distanciamos dela, São Paulo tinha 200 mil habitantes menos do que o Rio de Janeiro (mais ou menos 700 mil contra 500 mil), e o centro cultural do Brasil era a então capital da República.

É Mário e os que o acompanharam, como Alcântara Machado e Oswald de Andrade, que construíram a São Paulo literária, que chamaram a atenção para a poesia da neblina, da garoa (“garoa, sai dos meus olhos”), da noite urbana (“é noite, e tudo é noite”), do zum zum zum dos calhambeques e das máquinas; e do clarão das lâmpadas elétricas da Pauliceia Desvairada.

Enquanto a capital federal comemorava o centenário da Independência, de pouca relevância para os dias de hoje, o espírito moderno nascia no Theatro Municipal da atual praça Ramos de Azevedo entre provocações e vaias. A discussão estéril sobre quem tivera primeiro a ideia da Semana de 22 foi superada pelo que veio depois. E o que veio depois transformou a cultura brasileira e tem no centro a monumental obra de Mário de Andrade.

Uma forma de os paulistanos de nascença e os de adoção reduzirem sua dívida para com este verdadeiro inventor da São Paulo moderna é visitar-lhe a obra, senão sempre, ao menos com alguma frequência.

Porém constato que milhões viveram, vivem e viverão nesta cidade sem sequer lhe ter ouvido o nome. E isto explica muito da indigência cultural e do fascismo político em que estamos mergulhados.

* Jeosafá Fernandez Gonçalves, escritor, é doutor em Letras e pesquisador colaborador do Departamento de História da USP. É colaborador do Prosa, Poesia e Arte.