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José Varella: 20 de Janeiro – viva o povo ribeirinho!

Domingo, 20 de janeiro de 2008, dia do glorioso São Sebastião da Amazônia. Abro o baú e acho alinhavos de sábado, 20 de outubro de 2007. Foi quando se completou um ano que o Grupo Executivo Interministerial do Marajó–(GEI-Marajó), fez sua aparição e prime

O GEI-Marajó é resposta legal do Presidente da República aos apelos de marajoaras ilhados, principalmente a demanda dos  bispos da ilha do Marajó, em 2006. Os quais são dois: em Soure e Ponta de Pedras. Desde 1999, apertados pelo coro de 12 paroquias onde canta a saracura e improviso é festa da mucura, foram eles à luta para alertar o País das Palmeiras e o mundo inteiro sobre a pobreza “africana” dos últimos remanescentes da primeira cultura complexa da Amazônia (ver arqueologia marajoara /  http://www.museu-goeldi.br/ ).



Estranha situação a nossa, de isolamento e abandono, num território insular do tamanho de Portugal, que daria espaço até a uma dúzia de Cingapuras. Barra pesada do rio das Amazônias, onde sobrevivem, aproximadamente, 100 mil famílias ribeirinhas brasileiras. Marginalização herdada do latifúndio  hereditário da Capitania da Ilha Grande de Joanes (1665), agravada por décadas de domínio oligárquico. O que beneficia o êxodo das ilhas com impacto sobre a invasão de periferia de Belém e Macapá; faz complicar a imigração clandestina além do Oiapoque; garimpo ilegal, contrabando, trabalho escravo ou semi-escravo, prostituição infanto-juvenil, tráfico de drogas, roubo de gado, endemias rurais, etc… Miséria humana que contrasta vivamente com rico potencial ecológico-econômico, atratividade para pesquisa científica em cooperação internacional, ecoturismo, industria cultural, etc. e tal..



Tudo aquilo que outrora foi denunciado com engenho e arte, na metade do século passado, na literatura de Dalcídio Jurandir (1909-1979), premiada pela Academia Brasileira de Letras sem muito interesse do mercado editorial nacional, dado o cenário caboco da obra, talvez. Por idênticos motivos, em 1972, deu-se invenção a um incrível museu no fim do mundo: o Museu do Marajó (http://www.museudomarajo.com.br/), teimosia de um jesuíta  danado chamado Giovanni Gallo, o homem que implodiu para não se matar e que por acaso virou monumento. Personagem digna de Pirandello, milagre de persistência que nem “ressureição” tardia do payaçu Antônio Vieira. Quem gostaria de saber, que vá ver a chuva cair nos campos de Cachoeira do Arari… Caminho iniciático aonde se tem notícia da mais velha e mais nova peça da coleção fora do circuito da globalização.



Um Brasil brasileiro com que os nacionais nem sonham, mas muitos estrangeiros já foram lá apreciar a arte ribeirinha desde menina! Depois a culpa é dos “gringos”, como o dito Gallo e outros que terminam por se naturalizar e enterrar os próprios ossos no chão encharcado, enquanto patriotas de champanhota não saem de apartamento e nem deixam automóvel. Apesar da demora e hesitações do dito GEI, o processo Marajó chegou a um marco histórico com abertura  efetiva do pacto federativo na foz do maior rio do mundo. Após décadas da abertura do Amazonas à navegação internacional para incremento da Borracha. Agora sim, a coisa vai ou racha…



O instrumento federal recente foi criado, com prazo certo para acabar, por decreto presidencial de 26 de julho de 2006 (185º ano da Independência e 118º da República), instalado na Casa Civil da Presidência. Não se fala mais no GEI, se ele acabou a caminho das Ilhas filhas da Pororoca ou se está encalhado em algum barranco, francamente, eu não sei.



Só sei que para imensa parte da burocracia palaciana de Brasília o ato do Presidente Lula foi uma gota d'água no oceano das providências federais. Mesmo no Governo do Estado do Pará, repartido em mil e uma repartições em território comparável a uma África do Sul em tudo, menos pela presença aqui de alguém à altura de Nelson Mandela, por exemplo; a parceria com a União sobre Marajó, iniciada ainda no governo anterior, pode ser mais uma entre outras.



Todavia, para a brava gente ribeirinha isto está sendo o maior acontecimento histórico das ilhas, em quase 350 anos do acordo de paz do Rio dos Mapuá (Breves-PA, 1659) e da carta que o padre Vieira escreveu ao bispo do Japão a caminho de Cametá-PA, no dia 29 de abril daquele ano. O que foi caso de escândalo e condenação pelo tribunal da Inquisição do autor da “História do Futuro” com o deslumbramento o Arquipélago do Marajó causou ao padre, por causa da utopia sebastianista do “Quinto Império do Mundo”.



Não se sabe por que os Nheegaíbas andaram metidos nisso aí e, portanto, pagaram o pato das discórdias da Europa e do Oriente… Seria interessante recordar alguma coisa neste ano dedicado a Vieira e em 2009, com tantas coincidências, por acaso, e o Fórum Social Mundial (FSM) no Pará.



O ano de 1659 é a maior sonegação do indispensável contributo indígena à invenção da Amazônia na História do Brasil e Portugal. É justo, portanto, que um longínquo descendente dos antigos Nheegaíbas venha refrescar a memória da lusofonia inteira, no dia do glorioso São Sebastião. Pois, o caminho da democracia e da inclusão social é longo e incerto, mas a gente não pode afrouxar… O ilhamento dos povos e das regiões já foi pior e a coisa já esteve mais longe de chegar ao fim. Agora é esperar e fazer acontecer ao mesmo tempo, construindo pontes entre ilhas e continentes.



Não estou sozinho na Fátria sebastianista que alista gregos e troianos no mundo da língua portuguesa com versos de Camões, sermões do padre Antônio Vieira e, também, a controversos tiros de canhão e arcabuz maluco dentre violências e contradições tremendas.



Há muitas pessoas no mundo que Pessoa encantou e que não se conhecem pessoalmente, nem de longe e nem de perto. Mas é certo que somos todos parentes pela mesma língua geral e a demanda universal de uma Terra sem males, num planeta de igualdade, paz e felicidade para todas e todos. A magnífica utopia luso-tropical refeita, ultimamente, pela filosofia justa e perfeita de Agostinho da Silva!



O tecido da história faz sentido no longo prazo. O sermo vulgar, “última flor do Lácio”, porta ainda a bandeira da lenda e verdadeira história do soldado de Roma que se converteu ao cristianismo para ser protetor dos desvalidos contra epidemias; guardião da não-violência e da tolerância em busca da paz universal. São “Tião” chamado na língua popular merece consideração e respeito neste dia santo de confundidas datas na história de Portugal e Brasil. Dia em que Pinzón em alto mar à frente de Cabral cruzou a linha equatorial e de chegada à costa para achar o Brasil primeiro. Dia em que el-rei Dom Sebastião veio ao mundo e dia que Estácio de Sá com ajuda do santo padroeiro fundou a cidade maravilhosa do Rio de Janeiro.



É natural que a boa vista de São Sebastião mostrasse ao escritor de “Marajó” o porto carioca além do horizonte. Lá longe onde o Itá do Norte atracou e o romancista escreveu o ciclo extremo-norte, dando recado da gente para o Brasil e o mundo inteiro. Agora, a luta continua quando a diversidade cultural pinta o Santo popular de várias formas e faz do mártir latino protetor da biodiversidade. Então, deem-se vivas a São Sebastião com toque de sino nas igrejas e glórias a Oxóssi a som de tambor de Mina nos terreiros!!!… Do sincretismo religioso no apartheid afro-latino-americano ao ecumenismo universal e diálogo inter-cultural,  estamos avançando como nunca…



Ser ou não é a crucial questão de Hamlet, príncipe da Dinamarca. Ser e não ser é solução da complexidade saída do mato … Isto é, a astúcia do caboco ribeirinho desde menino, morador da água e da terra, debaixo do alumiado céu de estrelas do equinócio e sobre o alagado chão da varja deste mundo, entre chuvas e esquecimento.



Haja bom tempo e canoa boa na viagem antropoética de Fernando Pessoa! Então, saberão que a missão do GEI-Marajó, de acompanhar ações de governo, elaborar plano de desenvolvimento sustentável e promover ações emergenciais de combate à malária, regurlarização fundiária e obras de infra-estrutura, que eu não esqueço talvez tenha morrido sem bilhete nem foguete.



Mesmo assim, se ficasse nisto apenas, já seria uma vitória para 20 mil famílias ribeirinhas em Bagre, Breves, Afuá e Anajás dentre os dezesseis municípios da Mesorregião. Lá onde a força-tarefa da GRPU chegou com o reconhecimento federal e deu documento do direito de uso perene da terra ancestral. A antigamente usurpada por uma penada do mentecapto Afonso VI, rei deposto de Portugal. Tiraram-lhe o cetro, mas não consertaram a besteira feita nas Ilhas. Precisou-se eleger Lula para apagar a tisna da Capitania. Por este desempenho a força-tarefa de regularização fundiária ganhou prêmio nacional ENAP com o projeto Nossa Várzea.



Na trilha aberta pela necessidade e acaso, o Presidente Lula veio a Breves – lugar histórico das pazes entre índios e portugueses, sem as quais a gloriosa expedição de Pedro Teixeira teria feito água na argumentação de Alexandre de Gusmão sobre o uti possidetis de 1750, base do direito territorial do Brasil – onde ele fez entrega solene do primeiro título de uso de terras da União em favor de família da comunidade de Alto Anajás. Foi um ato simbólico respaldado por três séculos de história envergonhada, que se remediava agora. Pena que nosso Brasil festeiro não tem memória nem a boa vista de São Sebastião para tratamento e cura da cegueira acusada pelo padre Vieira, em São Luís do Maranhão, no Sermão aos Peixes, em 1654.



Abram os olhos, irmãos!