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José Varella: Amazônia marítima

A influência natural e cultural da maré além de Gurupá acima pelo Baixo Amazonas, no Pará; e ao longo da costa marítima desde a ilha de Trinidad (Trinidad e Tobago) a apenas onze quilômetros de distância do delta do Orenoco (Venezuela) até o delta do Parn

O homem amazônico (Homo sapiens, var. Tapuya; da graciosa e exótica classificação dada pelo naturalista da Viagem Philosophica, Alexandre Rodrigues Ferreira), senhor natural destes ambientes, possui uma ancestralidade neotropical marcante oriunda de povos originais americanos. Os que foram os mais lesados pela Conquista e colonização desde o primeiro dia em que Colombo lançou ferros nas Bahamas até os dias de hoje com a acelerada devastação da Floresta Amazônica. Vítimas agora de uma nova rodada de neocolonialismo, talvez terminal; pela hegemonia do arcaico modelo de ocupação das capitanias hereditárias, requentado pela modernização conservadora.


 


 


A fim de reverter as mais pessimistas expectativas da Mudança climática e da crise global levando à “solução final” dos povos conquistados, conviria destacar este subcontinente e dinamizar mais a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), único organismo multilateral sediado em Brasília. Destarte, pela libertação do pensamento político e cultural brasileiro a amazonização da capital do antigo país do pau-brasil, refém da devastação da Amazônia hipnotizada pelo feitiche histórico do rio da Prata; poderia dar senhas à etapa mais avançada da integração continental ajudando a América do Sol a reclamar sua especificidade e obrigar as velhas metrópoles sul-americanas a se livrar de seus achaques neocoloniais para voltar seu olhar às relações “genéticas” da Amazônia  com o Caribe. Este patinho feio da pauta paradiplomática interregional de territórios estaduais e municípios.


 


 


 


Pois, na verdade, foi exatamente aí que, em seus primórdios “pré-históricos”, a verdadeira história do bravo Povo Brasileiro começou, mil anos antes da famigerada aventura do enganado Cristóvão Colombo a caminho das “Índias Ocidentais”… Sem esquecer o fato incontornável do nexo antropológico entre patrimônio da humanidade e soberania nacional estabelecido por autodeterminação histórica do Povo Brasileiro sobre a ilha do Marajó e seu rico espaçotempo arqueológico. Entretanto, pode ser também que o fim do mundo amazônico – entre chuvas e esquecimento – acabe sendo, por necessidade e acaso como seus princípios,  início de um outro mundo possível. O qual os povos das águas nos mostram como prova evidente da resiliência das populações tradicionais em todas regiões da biosfera planetária.


 


 


 


Na Amazônia marítima, devido ao movimento de rotação da Terra, o encontro da corrente salgada do Atlântico equatorial, vinda de direção leste-oeste desde a contracosta da África ocidental; e da corrente de direção oeste-leste de água doce dos “sete mil rios” da pan-Amazônia modelou vasto bioma no qual a ecologia humana se destaca – oras harmoniosa, nas comunidades locais tradicionais; oras agressiva, em espaços urbanos densamente povoados – , numa  relação dinâmica peculiar. Onde o mangue, notadamente, paga pesado tributo ao progresso e reage como pode, duplamente, em termos da biosfera e noosfera (coletividade de idéias, atitudes e modos de cultura da biosfera como um todo, dentre os quais este acanhado artigo reivindicatório de ensaios e pesquisas à altura do relevante tema).


 


 


O conjunto marítimo amazono-guianense é compartilhado, de norte a sul, por Trinidad e Tobago (na transição do arquipélago das grandes Antilhas para o continente); Venezuela (golfo de Paria e delta do Orenoco), Guiana, Suriname, Guiana francesa e Brasil (Amapá, Pará e Maranhão). Neste espaço, a América Latina com exceção das ex-Guianas inglesa e neerlandesa; desenvolveu parte expressiva da sua história inclusive desde épocas muito recuadas nas quais predominaram povos aruaques e caribes com enorme diversidade linguística e cultural dentre a qual se destaca a Cultura Marajoara iniciada cerca do ano 500 da era cristã.


 


 


Sobre o descobrimento marítimo da Amazônia não há dúvidas. Colombo na sua terceira viagem (1498-1500) informa ter vislumbrado o “Jardim do Éden” na ilha de Cipango (Japão) – na verdade delta do Orenoco, na Venezuela –, através da Boca do Drago. No mesmo ano, sem fantasia, o cosmógrafo d'el-rei dom Manuel I de Portugal, Duarte Pacheco Pereira teria efetuado viagem secreta ao Pará a fim de verificar o meridiano de 370 léguas a oeste de Cabo Verde nos termos do Tratado de Tordesilhas (1494), levantamento geodésico preliminar ao “descobrimento” do Brasil. Que, portanto, já era conhecido dos navegadores portugueses na rota marítima para as Índias Orientais evitando as calmarias e a correnteza contrária da costa da África pelo aproveitamento da Corrente Equatorial Marítima que vem se bifurcar em frente a costa da Amazônia formando a Corrente das Guianas para norte e a Corrente Brasileira para sul… No campo lendário, o imperador Gao do Mali teria sido o primeiro navegador da corrente equatorial marítima frente à expedição de dois mil caiaques tendo tido notícia da pororoca na foz do rio Amazonas e seguido pela corrente das Guianas até o Orenoco para dobrar pelas Antilhas e, enfim, chegado ao Haiti onde Colombo teria encontrado certos “índios negros” com flechas com ponta de bronze…


 


 


Mais certo, o piloto de Colombo Vicente Pinzon foi o primeiro europeu a navegar a costa do Nordeste e Norte brasileiros, em janeiro de 1500, tendo seguido para as Guianas e retornado a ilha Hispaniola (Santo Domingo e Haiti), antes aprisionando os primeiros “negros da terra” (escravos indígenas) na ilha Marinatambalo [Marajó]. Por outra parte, o descobrimento do “rio das Amazonas” (1642) deu-se através dos Andes com a atribulada expedição de Gonzalo Pizarro a partir de Quito (Equador) em busca do El-Dorado e do país da canela. Seguida da escapada de Francisco de Orellana e frei Gaspar de Carvajal rio abaixo entre mil peripécias até sair pelo mar até a ilha Margarita (Venezuela) e Hispaniola com os dois bergatins improvisados em plena Floresta Amazônica.


 


 


Esta vasta porção da América do Sul ficou fora de alvo da cobiça européia por largos anos, até que deu-se a fatídica morte do rei de Portugal, dom Sebastião na desastrada empresa conquistadora do Marrocos. A ver como África e Amazônia sempre estiveram atadas desde tempos paleontológicos, o que faz com estudos comparativos entre o Amazonas e o Nilo, pelo menos, se tornem indispensáveis neste século em crise. Com isto, a União Ibérica (1580-1640) desatou uma concorrência que estava atenuada pelo comércio martímo trilateral operado por armadores holandeses, comerciantes portugueses e senhores de engenho no Brasil. Logo a partir do final do século XVI mercadores holandeses se apresentam na costa do Amapá, ilha do Marajó, Baixo Amazonas e Xingu praticando o escambo com os índios. O protestante Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière; com consentimento da raínha Maria de Médicis; estabelece a França Equinocial no Maranhão donde foi desalojado em 1615 e, mediante acordo de trégua com os portugueses, indicou o caminho para conquista do Pará.


 


 


 


Começa propriamente a história colonial amazônica, em 1616, com a fundação do forte do Presépio levantado em conjunto por portugueses e índios tupinambás. Cuja história da demanda da mítica Terra sem males está suficientemente contada pelos antropólogos, com destaque para Curt Nimuendaju, Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro; mas apenas esboçada pelos historiadores da conquista territorial do Brasil. Até então, durante milênios a pesca artesanal  sustentou a sociedade amazônica e os índios do estuário opuseram tenaz resistência aos conquistadores e colonizadores, terminando na sua grande maioria por ser extintos por guerras, epidemias e trabalho escravo. O trama colonial fez como que os sobreviventes renegassem a identidade tapuia e seus descendentes aceitassem a discriminatória classificação sociorracial de “caboclos”. Uma situação de impasse entre o estado bárbaro passado e a civilização imposta de fora para dentro…


 


 


Há outro caminho? A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, assegura o estado democrático de direito, nossa Carta Magna traçou caminho equidistante entre o desvairado bandeiratismo de massacres e exclusão dos povos originais da segurança para todos e a insustentável lerdeza do “desenvolvimento” neocolonial custe o que custar. A política nacional de desenvolvimento sustentável da Amazônia trilha este caminho cheio de esperanças e de riscos. Porém, a participação efetiva das populações tradicionais no seio da sociedade civil na tomada de decisão do poder público pode materializar a práxis da descolonização, declarada há longo tempo em diplomas oficiais.


 


 


 


Com que o homem amazônico há de estar preparado a assumir o comando geral do desenvolvimento humano solidário e sustentável da região. Deste modo, os povos das águas principalmente, conservando florestas de maré, rios e a costa do mar territorial; poderão oferecer contribuição imprescindível à conservação da Floresta Amazônica mediante razões econômicas e socioambientais óbvias. O problema que se apresenta, afinal de contas; é que o pior cego é aquele que não quer ver. Por isto, para defender a bandeira pátria carce compreender o mapa nacional e saber com razão que fronteiras históricas, que antes separavam os países-irmãos, hoje nos aproximam e guardam pelos caminhos da integração. Mas, é preciso construir juntos pontes para o amanhã.