Sábado, 20 de outubro de 2007. Completou-se, exatamente, um ano em que o Grupo Executivo Interministerial do Marajó realizou sua primeira reunião técnica na base operacional do Sipam – Sistema de Proteção Ambiental da Amazônia – , em Belém
Publicado 23/10/2007 19:59 | Editado 13/12/2019 03:30
A missão do GEI-Marajó, além de acompanhar ações de governo, é de elaborar um plano de desenvolvimento com ações emergenciais de combate à malária, regurlarização fundiária e obras de infra-estrutura. Destas três, a regularização fundiária já atendeu a cerca de 10 mil famílias ribeirinhas, em apenas quatro dos dezesseis municípios da mesorregião. O que, certamente, para não deixar recair à anterior servidão da gleba estas famílias precisam, com urgência, complementar o trabalho iniciado mediante introdução à uma cultura empreendedora socio ambientalmente adaptada às necessidades locais.
Diga-se logo que, se não houvesse um grave e antigo problema de ausência do Estado Nacional na faixa de fronteiras e em regiões periféricas, não precisaria ministros de Estado sairem de seus cuidados para atender a demandas populares de emergência, caso os Municípios tivessem real autonomia como manda a Carta Magna, a começar por mais justa redistribuição das receitas públicas. Porém, antes de abrir o balaio de críticas desvairadas, com que pescadores de águas turvas procuram confundir quem, aliás, já nasceu confuso. Convém considerar a realidade onde estamos metidos, pois a pressa é inimiga da perfeição!
Isto dá oportunidade a recordar episódio em que alto dirigente de passado governo do Estado recebeu visita de delegação portuguesa dando boas-vindas e declarou sem rodeios, muito ajuizadamente, que nós brasileiros, graças a Deus, não tiveramos meios suficientes para “desenvolver” a Amazônia conforme o padrão dos países mais adiantados. Este aparente “fracasso” seria, na verdade, enorme chance. Pois o “subdesenvolvimento” relativo nos oferece oportunidade para realizar novo paradigma de civilização, mais de acordo com o Trópico Úmido em escala ecológico-econômica compatível.
Tal pensamento heterodoxo emerge naturalmente de madura vivência de regiões naturais, tais como o mundo estuarino entre as Amazônias verde e azul. É claro que um ou outro teórico festejado pode elaborar grandes teses sobre isto. Mas, é no laboratório da vida, no próprio chão da gente; que a utopia pode ser testada como factível ou não. No caso do Marajó, o “desenvolvimento sustentável” é codinome de mestiçagem do sebastianismo jesuítico, messianismo tupi, pajelança cabocla, tanto quanto abençoado por visões proféticas da encantaria afro-amazônica. Pois não basta fazer: é preciso saber como e porque se fazem e se consomem as coisas.
Mas, como traduzir isto em eventos caboclos? Para nossos ilustres doutores – noves fora, a confraria de ictiófagos da academia do Peixe-Frito – discurso como este é o mesmo que falar grego. Uma “casa do Marajó” é mais um conceito de vida e um modo de produção, do que uma arquitetura da madeira e da cerâmica com inovação tecnológica requerida, que também deveria ser.
Um sonho e uma casa para todos
A fim de melhorar o ínfimo IDH marajoara, é preciso “vender” aquilo que dentre todos demais bens das Ilhas é a mais renovável de todas nossas riquezas: a milenar Cultura Marajoara. Ora, o diabo é que nos faltam gerentes competentes para produzir, embalar e distribuir produtos made in Amazon desta qualidade. Seria preciso antes produzir um choque cultural no sistema brasileiro de fomento econômico. Fazer algo semelhante ao México, que fala correntemente em cultura e economia como os dois lados da mesma moeda. Ou imitar sem remorsos o turismo de Portugal, que vende lendas singelas tais quais a estória do galo de Barcelos, por exemplo; reproduzida em milhões de peças de artesanato as quais se agrega a gastronomia típica da região. É para isto que, como aquela autoridade que não lamenta o “atraso” desenvolvimentista; nós também não devemos embarcar na canoa furada da pressa daqueles que querem já um plano de desenvolvimento, quando os próprios técnicos ainda estão às apalpadelas e nem sabem com certeza aonde estão metidos…
O que é urgente mesmo é a saúde do povo ribeirinho, atacado de malária, mal de chagas, leshimaniose, etc. E a extrema necessidade de uma educação empreendedora para a inclusão social, que além de dar o peixe do Fome Zero também ensine a pescar por conta própria. Algo tão admirável quanto a luta de Nelson Mandela contra o Apartheid… Coisas fundamentais como o programa federal de inclusão digital, cobertura total de banda larga e oferta de cursos de capacitação através da Universidade Aberta do MEC, que poderiam ser para comunidades ribeirinhas, de fato, o grande prêmio esperado.
Para que a história não se repita nunca mais. Que não suceda às novas gerações marajoaras o mesmo que aconteceu aos antepassados Nheegaíbas, em especial no ano de 1659. Ano duplamente significativo para história do povo brasileiro: primeiro, porque no mês de abril Vieira escreveu, a caminho de Cametá, a célebre carta em que o autor da História do Futuro declara ser o poeta Bandarra verdadeiro profeta, quando este vaticina em trovas subversivas ao império castelhano o “Quinto Império do Mundo”. Uma bomba teológica que, há 350 anos, antecipou o processo de silêncio que viria a ser imposto a um expoente da teologia da libertação chamado Boff….
Segundo, porque no mês de agosto, o mesmo padre barroco e geopolítico brilhante, se achou enfronhado no labirinto dos Furos de Breves, onde não passavam canoas do Pará sem assalto de nativos das Ilhas injuriados de uma guerra absurda ao entendimento deles, que já durava mais de trinta anos a fim de expulsar concorrentes coloniais de Portugal a custa da mortande e cativeiro de índios, de parte a parte…
Como diria Marx, a história só se repete como farsa… Então, basta ler os jornais sobre ataques de piratas na baía de Marajó para ver a atualidade do Padre Antônio Vieira e dos problemas que ele enfrentou nos nove anos que esteve no Pará. Em vão vamos procurar pelos estudiosos de Vieira por aí. Sobre um certo Dalcídio Jurandir citado recentemente no New York Times como o primeiro escritor modernista da Amazônia; depois de se deixar demolir a casa onde ele nasceu e construir escola pública nesse terreno com nome em homenagem a alguém que nunca se viu por ali. A população foi “democraticamente” consultada sobre o nome a ser dado a outra escola que iam inaugurar na terra natal do único escritor amazônico ganhador do prêmio nacional de literatura “Machado de Assis”… Formou-se duas correntes, uma liderada por professores que defendiam o nome de Dalcídio Jurandir, outra mais numerosa que pretendia homenagear o bispo emérito da Diocese… Estes últimos, afinal vencidos, pelo poder estadual de cima para baixo; simplesmente perguntavam: o que foi que esse um fez pelo nosso municípío? Claro o bispo havia feito muito mais batizados, casamentos, constuiu a catedral e muito mais coisas… Mas, o povo não tinha conhecimento dos dez romances que o conterrâneo escreve. Culpa de quem? Certamente não do povo desavisado, nem do autor exilado no Rio de Janeiro, em total dedicação para compor uma obra imperecível; que dá testemunho dessa gente sem memória.
Mas, tudo isto não está nos compêndios. Algum doutor pode assegurar que o que diz o padre Vieira sobre as pazes de Mapuá, em negociação direta com os sete caciques Nheengaíbas, não tem nenhum interesse acadêmico! Guias de turismo confundem viajantes, eles mesmos confusos quanto a velha aldeia de Joanes (Salvaterra, que portanto não teve jesuítas), com a Ilha Grande de Joanes (Marajó), doada pelo rei a seu secretário de Estado (1665), em desfeita à obra libertadora do Payaçu, pregador de reis na Europas; corrido do Pará (1661) sob apupos e ameaças de colonos escravagistas.
Como é possível haver interesse em educação pelo povo, quando a grande academia volta seus olhos exclusivamente a estilos de época, a pedra colonial prevalece sobre o barro neolítico e as autoridades constituídas não se preocupam pelo drama das populações que sustentaram os heróis nacionais, mais que durante campanhas eleitorais? Quem, nas ilhas, não se interessaria em conhecer a saga do Bom Selvagem tupinambá e a odisséia do “homem malvado” (marãyu / marajó) confrontados em luta mortal por ignorância própria e astúcia de colonizadores europeus em disputa do grande “rio das Amazonas” na esperança de pilhar minas espanholas no Peru? Conquistadas Deus sabe como…
O paradoxo de Le Cointe
Não são muitos amazônidas que primam pela responsabilidade e prudência socioambiental. Fomos “educados” a fazer valer o machado de aço, a espingarda e a coivara herdada dos primeiros coletores transformados em agricultores. Quando o machado de pedra de lugar ao aço trazido pelo mercador a troco de drogas, do sertão e gados do rio; aquilo que durava um ano inteiro para se transformar em canoa passou a ser produzido em poucas luas… Quando o machado deu lugar a motosserra soltaram-se as amarras à devastação. A espingarda não serve mais para caçar o que comer em casa, mas abriu caminho largo para matar e esfolar milhões de animais sempre requeridos por um mercado insaciável de peles silvestres. Em vez da velha roça de mandioca e a clareira, hoje são “plantations” enormes ditadas pela bolsa de valores. Então tocaram-se as trombetas do apocalipse no Clube de Roma.
Quando o criador do Museu do Marajó, fala em seu “Marajó, a ditadura da água” sobre necessidade de um plano de desenvolvimento cultural, é bem isto que ele queria dizer. Porém, nós entendemos por cultura apenas festividades e tertúlias acadêmicas. Sabemos perfeitamente que o desenvolvimento dito sustentável é possível. Mas, como diria o franco-amazônida Paul Le Cointe, patrono da cadeira do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP), ocupada pelo caboclo que vos fala; “na Amazônia, a única coisa certa é que tudo é incerto”…
Não só na Amazõnia as coisas são assim. Todas regiões e, acredito, até periferias de grandes metrópoles têm lá seu fator de imponderabilidade, constante em balas perdidas, acidentes de trânsito, quebra-quebra de vitrines e automóveis em estacionamento… Mais exatamente, a pós-modernidade é o reino da incerteza, como já foi dito. Talvez a guerra do Vietnã, o terror do 11 de Setembro em Nova Iorque, a invasão do Iraque sejam provas mais contundentes da imprevisibilidade de nosso tempo de mudança climática dentre outras mudanças menos perceptiveis, porém também devastadoras com a extinção de idionas, etnias e culturas tradicionais.
Últimos que falam, primeiros que apanham
O que tem a ver a globalização com uma gente ilhada na boca do maior rio da Terra? É que deviam ser os próprios habitantes das Ilhas com seu “savoir faire” secular ouvidos, antes da tecnoburocracia dos organismos internacionais, a catequese salvacionista das “king-Ongs” e o estamento federal dar a última palavra naquilo tudo que lhes vai afetar o modo de vida. Mas, a tiste realidade é que tudo foi tirado a esta gente, que ela mesma já não se reconhece. Tem vergonha de ser ou parecer “índio”… Na hora que lhe perguntam o que desejam, em vez de tapioca vão pedir fast-food… Aí temos os limites da democracia participativa e a tentação da geração espontânea de “amigos do povo” e “pais da pátria”. Com que para a volta do fascismo basta só um pulo. E já sabemos que “comunistas”, “ateus” e “judeus” são as primeiras vítimas de tais salvadores da pátria…
Como curiosidade para os anais da integração da Amazônia brasileira, registre-se que o decreto de 26 de julho revogou ato precedente, datado de 7 de junho do mesmo ano; criando no âmbito da Casa Civil da Presidência da República o Grupo Executivo Interministerial para “acompanhar” ações necessárias ao desenvolvimento sustentável da ilha de Marajó. O novo texto, em apenas um mês e dezoito dias após o primeiro, foi necessário para atender à necessidade de todo o arquipélago. Logo a seguir, os técnicos descobririam que o tal “arquipélago” transborda à mesopotâmia (sic) formada no continente entre a foz do rio Xingu e do Tocantins.
E aí outra novidade geográfica, o IBGE determina existência da mesorregião Marajó composta por 16 municípios distribuídos pelas microrregiões Arari, Furos de Breves e Portel… Com que se exclui o município de Oeiras do Pará (antiga aldeia de Araticum e Vila de Araticu), no qual, portanto, seus habitantes de antiga convivência com os vizinhos se consideram tão marajoaras como os demais ignorantes dos critérios técnicos de Brasília.
Como seus bisavós não pegaram o espírito da coisa no édito de 1758, do Marquês de Pombal; mandando apagar o nome da aldeia da missão jesuítica para esta ser “elevada” à categoria de Vila de Oeiras. Cumpre lembrar que o todo poderoso ministro de dom José I, Sebastião José de Carvalho e Melo, antes de ser marquês foi Conde de Oeiras (município português onde está a Fundação Marquês de Pombal, que poderia, por exemplo, com a CPLP cooperar com municipalidades de Marajó a fim de pagar alguns pecados os barões assinalados, tenham sido eles da banda de cá do Atlântico ou de lá).
Refazenda de aldeias extintas por decreto
Minha aldeia original é, provavelmente, a dos extintos índios Guaianá ou “Guaianases” na grafia barroca da História do Futuro, do Padre Antônio Vieira; e “Guayanazes” conforme o iluminista Alexandre Rodrigues Ferreira, em a Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó (1783). Esta pobre aldeia donde se enterraram raízes da árvore genealógica de minha avó, a índia batizada cristã com nome de Antônia Silva; aluna de alfabetização e primeira mulher do capitão Alfredo Nascimento Pereira (pai do escritor Dalcídio Jurandir com sua segunda mulher, afrodescendente Margarida Ramos). Na brigalhada entre escolásticos e iluministas, ninguém perguntou nada aos habitantes, lá se foi a secular ”Guaianases” marajoara de roldão no decreto do Diretório dos Índios (1757) e se tornou “Lugar de Vilar”, na beira do igarapé chamado “do Vilar”.
Este rio morto por assoreamento sucessivo, em cuja foz se matou o derradeiro peixe-boi o qual virou lenda… De modo que é tanta desmemória, que ao focalizar o caso da aldeia do Araticum (Vila de Oeiras, município de Araticu e, enfim, Oeiras do Pará) a gente tem um montão de casos semelhantes em mil e uma situações de histórica pobreza fabricada. Uma advertência que deveria servir de meditação ao Grupo Interministerial. Não fosse a angústia do povo em querer alguma resposta e o cronograma já atrasado no nascedouro…
Mas, esse emaranhado de rios e árvores e histórias desmemoriadas é uma parada! Marajó não é “uma” ilha, mas um labirinto de igapós, rios e igarapés que formam diversas ilhas aconchegadas umas às outras debaixo da cobertura verde da mata submersa e na vastidão dos campos-gerais povoados de lagos e lagoas. Lâminas d'água que variam de biogeografia duas vezes por ano, rivalizando com o Pantanal matogrossense, por exemplo. Com as chuvas viram oceano, no verão é deserto poeirento… Razão de nossa obessessiva insistência na criação de uma reserva da biosfera acompanhada de um ou mais sítio Ramsar no conjunto de um mosaico de unidades de conservação do SNUC. Não apenas para conservação ambiental, mas, principalmente, para o desenvolvimento sustentável de comunidades tradicionais ribeirinhas amparadas pelo programa mundial MAB (Homem & Biosfera).
Marajó versus Brasília
Foi na sexta-feira, 20 de outubro de 2006 (por sinal, dia do Arquivista) que o GEI-Marajó fez sua primeira reunião na cidade de Belém do Pará. Daí iria mergulhar, em meio à transição de governo estadual, no enigmático universo marajoara para ouvir a população em cinco consultas em municípios-pólos diferentes. A gente nunca tinha visto coisa igual em nome da República Federativa. Esta trabalheira toda se deve à forte dose de loucura em comunhão transfronteiriça unindo gregos e troianos. Coisa que poderia até ser elogiada por Erasmo antigamente. Uma longa história está por trás desse compromisso nacional em vias de satisfazer uma brava gente brasileira deixada tanto tempo ao relendo.
Ontem, a corte do Rio de Janeiro viciada em trabalho escravo, sempre muito à distância do rio das Amazonas; crendo piamente em diletantes da historiografia luso-brasileira, enquanto com energia militar e tirocínio político incorporava combatentes farroupilhas ao Exército nacional, pela ação do Pacificador Caxias; para o norte despachou o exterminador do futuro, que foi o general Francisco Soares Andréa, matabugre acurado que em nome do Império promoveu à farta o genocídio amazônico na brutal e rancorosa repressão racista aos insurgentes paraenses, chamados “cabanos” por equivocada comparação à Cabanada de Alagoas…
Hoje, felizmente, não há conflito como foi a Cabanagem de 1835 / 1840 até anos seguintes. Mas é inegável certa dificuldade de diálogo e entendimento melhor entre mesorregiões e respectivas capitais estaduais. E, ainda mais, de umas e outras no trato federativo com Brasília. A “enrolação” da máquina paquidérmica com anorexia esteriliza a vontade política da nação depositada nas eleição e reeleição do Presidente Lula. Gastam-se mais tempo com crises políticas do que na execução de trabalho produtivo. Se alguém pensa que isto só acontece agora com Lula lá, ledo engano! Adversários do atual governo abusam da falta de memória do povo e reclamam de muita coisa da qual eram eles mesmos useiros e vezeiros em praticar.
Dias desses, a imprensa regional noticiou suposto desconforto de autoridades durante visita ao distante município de fronteira de São Gabriel da Cachoeira (AM), com a ministra Dilma Rousseff dando pública vazão à irritação com a surrealista morosidade da coisa pública nos confins da pátria amada… Ora, é preciso mais do que verbo e verba a fim de produzir choque tecnológico no Interior e fazer acontecer a integração nacional, Precisa-se antes de um choque cultural. Isto é, de cultura pública. Para despertar a autogestão local e fazer comunidades andar com as próprias pernas, como elas andavam antes dos brancos lhes impor dependência até para ir ao céu ou inferno.
Eu que experimentei trabalho de demarcação de fronteiras no campo e gabinete, por essas coisas curiosas que acontecem a caboclos que se aventuram a atravessar o terreiro do sítio para ir à cidade, fui convidado a assinar ata de fundação de Associação Bolivariana de Brasília e depois a de Belém. Antes que se falasse em República Bolivariana de Venezuela, tive por guru e fraterno amigo um coronel da reserva, declarado admirador do venezuelano Hugo Chávez. Como capitão ele criou caso na missão militar Brasil-EUA, citado em livro do professor Osni Duarte Pereira sobre a rodovia Transamazônica. Seu nome era Ivonilo Dias Rocha, um grande cidadão republicano e militar brasileiro exemplar. Punido pelo regime militar de 1964 pelo fato de ser partidário da reforma agrária e ter trabalhado como cartógrafo no IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária), no Governo de Jango, perdeu patente de general de divisão para ir para reserva como coronel. Jamais fez disso uma tragédia pessoal, sentia-se perfeitamente militar com notável espírito civil como pode ser testemunhado por pessoas que tiveram oportunidade de com ele conviver.
Acabou nomeado chefe da Primeira Comissão Brasileira de Limites, fez amigos e admiradores entre diplomatas, permaneceu na função por mais de dezesseis anos e morreu no cargo num fim de semana. Era natural de Caucaia (que um dia foi Soure), no Ceará. Quando moço criou com colegas estudantes uma academia de jovens poetas em Fortaleza e abriu campanha contra a Escola Militar que não facilitava admissão de candidatos no Nordeste.
Vendo atendida a reinvidicação sentiu dever de concorrer e passar no exame preparatório. Aprovado com boa nota, era ele um “um cabeça chata” com altura mímina para carreira militar. Mas, infelizmente, abaixo do peso regulamentar… Como recompensa ao esforço foi-lhe dado prazo para “engordar” ou ser desligado do curso. Pediu ajuda à sua mãe que lhe mandou do Ceará rapadura, cajuzinho, goiabada e toda ração necessária. Percebeu que estava sendo furtado do precioso suprimento materno… Montando guarda cedo descobriu que o ladrão era um gaúcho de quase dois metros de altura e fama de valente. Então, sem jamais acusar a patifaria do colega, pediu a este que o ajudasse a pegar o ladrão apelando à generosidade do rapaz. Assim, no prazo fatal o glorioso Exército de Caxias foi servido de um oficial cearense exemplar na guerra e na paz. Ele que era “fronteiro” e ensinava a “demarcar para aproximar”, sua última vontade foi ser enterrado junto a marco de limites da pan-Amazônia. Assim foi feito, na linha divisória Brasil-Colômbia. Esse brioso brasileiro entendia como ninguém o que é cultura pública…
Por exemplo, desconhecimento da região amazônica fez com que assessores do Chefe do Estado não o alertassem sobre erro histórico que ele disse na Europa, segundo o qual colonizadores portugueses nunca plantaram cana-de-açúcar na Amazônia… Tudo ao contrário. Como diria Nelson Rodrigues, “os idiotas da objetividade” fazem carga pesada sobre Lula ao cometer certas gafes. Não há um dia que pretensos intelectuais não façam circular na internet piadas forçadas e eivadas de inveja e preconceito para desmerecer a imagem do Presidente da República: porém, o líder sindical e popular de renome internacional – de inteligência acima da média, notavelmente, pois que chegou aonde chegou superando deficiência de escola e obstáculos poderosos – Lula não foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, mas sim para representar o povo brasileiro no cargo mais elevado do País, onde a maioria dos eleitores não tem escolaridade superior a dele. Logo, que a elite brasileira não queria ver um trabalhador tomar-lhes o poder e não não pôde mais impedir o regime democrático, a única coisa a fazer seria lutar para melhorar a educação do País, a exemplo do ex-Reitor, Governador e atual Senador Cristóvão Buarque. Mas, vejam o resultado das urnas para o ilustre e admirável intelectual! Quando “sabios” que perseguem Lula votaram em Cristóvão?
Então, são altos funcionários pagos para assessorar o Presidente que têm dever de informá-lo para evitar tais escorregões. Pois, além de existir financiamento público em empresa canavieira no Pará acusada pelo Ministério do Trabalho de praticar trabalho análogo à escravidão; a ilha do Marajó e arredores de Belém estão prenhes de vestígios de engenhos de açúcar da época colonial: justificadora da caça ao índio e importação de escravos da Guiné e Angola através do Maranhão.
É tempo de começar algo diferente, Marajó pode ser de fato (não apenas no discurso) plano-piloto para a “Amazônia Sustentável” programa nacional que, aliás, não se ouviu mais falar. Pois seria o caso de escutar mais o que os caboclos têm a dizer. Pois não?