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Publicado 23/05/2007 18:37 | Editado 13/12/2019 03:30
Setembro passou, com oitubro e novembro
Já tamo em dezembro.
Meu Deus, que é de nós?
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
Com medo da peste,
Da fome feroz.
A treze do mês ele fez a experiença,
Perdeu sua crença
Nas pedra de sá.
Mas nôta experiença com gosto se agarra,
pensando na barra
Do alegre Natá.
Rompeu-se o Natá, porém barra não veio,
O só, bem vermeio,
Nasceu munto além.
Na copa da mata, buzina a cigarra,
Ninguém vê a barra,
Pois barra não tem.
Sem chuva na terra descamba janêro,
Depois, feverêro,
E o mêrmo verão.
Entonce o rocêro, pensando consigo,
Diz: isso é castigo!
Não chove mais não!
Apela pra maço, que é o mês preferido
Do Santo querido,
Senhô São José.
Mas nada de chuva! tá tudo sem jeito,
Lhe foge do peito
O resto da fé.
Agora pensando segui ôtra tria,
Chamando a famia
Começa a dizê:
Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo,
Nós vamo a São Palo
Vivê ou morrê.
Nós vamo a São Palo, que a coisa tá feia;
Por terras aleia
Nós vamo vagá.
Se o nosso destino não fô tão mesquinho,
Pro mêrmo cantinho
Nós torna a vortá.
E vende o seu burro, o jumento e o cavalo,
Inté mêrmo o galo
Vendêro também,
Pois logo aparece feliz fazendêro,
Por pôco dinhêro
Lhe compra o que tem.
Em riba do carro se junta a famia;
Chegou o triste dia,
Já vai viajá.
A seca terrive, que tudo devora,
Lhe bota pra fora
Da terra natá.
O carro já corre no topo da serra.
Oiando pra terra,
Seu berço, seu lá,
Aquele nortista, partido de pena,
De longe inda acena:
Adeus, Ceará!
No dia seguinte, já tudo enfadado,
E o carro embalado,
Veloz a corrê,
Tão triste, coitado, falando saudoso,
Um fio choroso
Escrama, a dizê:
– De pena e sodade, papai, sei que morro!
Meu pobre cachorro,
Quem dá de comê?
Já ôto pergunta: – Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato,
Mimi vai morrê!
E a linda pequena, tremendo de medo:
– Mamãe, meus brinquedo!
Meu pé de fulô!
Meu pé de rosêra, coitado, ele seca!
E a minha boneca
Também lá ficou.
E assim vão dexando, com choro e gemido,
Do berço querido
O céu lindo e azu.
Os pai, pesaroso, nos fio pensando,
E o carro rodando
Na estrada do Su.
Chegaro em São Palo – sem cobre, quebrado.
O pobre, acanhado,
Percura um patrão.
Só vê cara estranha, da mais feia gente,
Tudo é diferente
Do caro torrão.
Trabaia dois ano, três ano e mais ano,
E sempre no prano
De um dia inda vim.
Mas nunca ele pode, só veve devendo,
E assim vai sofrendo
Tormento sem fim.
Se arguma notícia das banda do Norte
Tem ele por sorte
O gosto de uvi,
Lhe bate no peito sodade de móio,
E as água dos óio
Começa a caí.
Do mundo afastado, sofrendo desprezo,
Ali veve preso,
Devendo ao patrão.
O tempo rolando, vai dia, vem dia,
E aquela famia
Não vorta mais não!
Distante da terra tão seca mas boa,
Exposto à garoa,
À lama e ao paú,
Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo,
Vivê como escravo
Nas terra do Su.
Patativa do Assaré
Cante lá que eu canto cá – Filosofia de um trovador nordestino
Editora Vozes – 5ª edição – 1984