Ibama e siderúrgicas negociam conflito no Maranhão

A definição para que Ibama, representantes das siderúrgicas do Pólo Carajás e dos Ministérios Públicos Estadual e Federal assinassem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) poderia se dizer, na linguagem esportiva, que foi um torneio

A definição para que Ibama, representantes das siderúrgicas do Pólo Carajás e dos Ministérios Públicos Estadual e Federal assinassem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) poderia se dizer, na linguagem esportiva, que foi um torneio decidido em duas rodadas cujo resultado final terminou empatado em 1 a 1. Os dois “times” que se digladiaram nessa jornada foram Ibama x Siderúrgicas, tendo como árbitros o Ministério Público, nas esferas estadual e federal.

Isso porque, para que se chegasse a um consenso, foi necessária a realização de duas audiências púbicas; a primeira, na terça-feira, 17, na cidade de Marabá (PA), e a segunda em Imperatriz (MA), na quarta-feira, 18. Esta última durou exatas cinco horas de acirrados debates, dos quais participaram ativamente desde Maria Gavião, representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que defende o projeto de agricultura familiar, e, no outro extremo, o diretor da Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica), Luís Corrêa.

No campo político e econômico também defenderam suas posições antagônicas o vereador de Leodato Marques (PSDB), de Marabá, e o deputado estadual do André Dias (PSDB-PA) contra o ex-vereador e suplente de deputado estadual Valdinar Barros (PT-MA), de Imperatriz. Os dois primeiros defenderam veementemente os empresários do setor siderúrgico, enquanto Valdinar defendeu o meio ambiente, propondo que a terra hoje ocupada por florestas de eucaliptos passe a ser ocupada por lavradores com projetos de agricultura familiar. Mas nem todos os sindicalistas defendem a mesma posição de Valdinar Barros, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Imperatriz. Raimundo Nonato Fernandes Frasão, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Açailândia, e Valdemir Soares Sousa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Carvão Vegetal e Reflorestamento dos estados do PA/MA/PI/TO e MT, defenderem suas classes apelando que que se chegasse a um acordo para evitar demissão em massa dos trabalhadores de suas categorias.

O presidente do Sindicato dos Produtores de Carvão do Pólo Carajás (SINDCARP), Cledenilton Araújo Silva, afirmou que os produtores de carvão vegetal já estão passando sérias dificuldades e propôs a criação de um fundo de reflorestamento com a retenção de 3,7% do valor de cada metro de carvão e a legalidade trabalhista. Por sua vez, a coordenadora do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQC), Maria Querobina, acusou os carvoeiros e empresários do setor de estarem queimando para transformar em carvão toda a reserva de coco babaçu desta região.

Representantes do Ministério Público mediam acordo

Os representantes dos Ministérios Públicos Estadual e Federal estiveram presentes apenas como mediadores, mas foram também inquisidores, cobrando dos empresários do setor mais responsabilidade para com o meio ambiente. A procuradora da República em São Luís, Carolina Mesquita, e o promotor público do Meio Ambiente, Fernando Barreto Júnior, assim como a promotora de Açailândia, Sidneya Nazareth, foram incisivos em suas observações e reprovaram publicamente várias ações dos empresários.

Fernando e Carolina não questionaram o representante da Asica, que, apesar de estar sob o drama causado pela falta de carvão, diz claramente que necessita de 852.978 hectares de florestas para manter as siderúrgicas, pois tem um consumo previsto para o ano de 2006 de mais de 4 milhões de metros cúbicos de carvão vegetal. “De onde é que vai se retirar ainda tanto carvão?”, questionou a procuradora.

Para o promotor Fernando Barreto, que atua na área ambiental há 14 anos e demonstrou conhecimento sobre o assunto, o Ibama já deveria há muito tempo ter tomado essa posição. Ele salientou que o órgão deveria responsabilizar criminalmente os governos dos estados do Maranhão e Pará por concederem licença de implantação das usinas siderúrgicas sem que essas empresas apresentassem o Relatório de Impacto Ambiental, o RIMA.

“O segundo responsável por esta situação é a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), porque, sendo uma grande mineradora, uma das maiores do mundo, não produz o carvão mineral nem mesmo para sua subsidiária, a Ferro Gusa Carajás, que também utiliza carvão vegetal. Eles entendem que ferro gusa produzido com carvão mineral é de baixa qualidade. Portanto, ela é co-responsável e deveria estar aqui participando desta discussão”, ponderou.

Fernando Barreto questionou todos os envolvidos, lembrando que na região da Pré-Amazônia a lei exige que se preserve 80% das florestas. “Então, de onde carvoeiros e empresários do setor vão retirar esse carvão?”, questionou o promotor para, em seguida, arrematar: “Esse cálculo apresentado por vocês [representantes da Asica] fica muito difícil a gente acreditar nele”, disse Barreto. Por sua vez, a coordenadora da audiência e gerente do Ibama/São Luis, Marluze Pastor, assegurou que a Vale foi convidada, mas não compareceu nem justificou sua ausência.

Na audiência em Imperatriz, o Governo do Estado do Maranhão esteve representado pelo assessor da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Francisco de Paula Castro Filho, enquanto o Governo do Pará não mandou representante. Sabe-se que a Secretaria de Tecnologia e Meio Ambiente do Pará (SETECMA) vai rever as licenças que já foram liberadas e não vai fornecer outras enquanto perdurar esse imbroglio. O Ibama solicitou que a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), siga o exemplo paraense.

Asica defende inclusão social e desenvolvimento

Com uma platéia formada também por empresários das indústrias siderúrgicas, como Demétrio Ribeiro, de Marabá, o superintendente da Terra Norte Metais, Francisco Canindé Targino foi escalado pela Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica) para falar pelos industriais guseiros, das quinze siderúrgicas fialiadas hoje à entidade, sendo oito delas instaladas em Marabá, no Pará, e sete no Maranhão – cinco compõe o pólo siderúrgico de Pequiá, em Açailândia.

Canindé Targino apresentou um documentário da Asica denominado “Uma realidade presente no desenvolvimento do Brasil”, no qual demonstrou os investimentos financeiros que foram feitos pelas empresas siderúrgicas adquirindo equipamentos de avançada tecnologia para implantação do seu parque industrial. Ele revelou que somente no ano passado as siderúrgicas exportarem 3.300 toneladas de ferro gusa, gerando cerca de US$ 760 milhões e assegurando milhares de empregos.

Revelou, também, que praticamente 100% da produção é exportada para o mercado internacional e que isso já corresponde a 25% do ferro gusa produzido em todo o país. Em seus indicadores sociais, a entidade observa que gera mais de 35 mil empregos diretos e indiretos e paga cerca de US$ 200 milhões em salá-rios e impostos. “Em função disso, somos responsáveis pela criação de mais de mil negócios que giram em torno das siderúrgicas”. Responsabilidade Social – Canindé Targino destacou como responsabilidade social das empresas guseiras a criação do Instituto Carvão Cidadã (ICC), a implantação de projetos de inclusão digital direcionado para crianças e adolescentes. O palestrante lembrou, ainda, que as siderúrgicas colaboram com entidades sociais como o Centro Integrado Família Escola e Comunidade (Cifec), em Açailândia, além da Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), entre outras entidades beneficentes.

Os empresários do setor apresentam, também, como compromissos com o futuro, o reflorestamento de, no mínimo, 130 mil hectares nos próximos dez anos em áreas alteradas, implantando um parque florestal superior a 225 hectares de florestas distribuídas nos estados do Maranhão, Pará, Tocantins e Piauí. Comprometem-se com a otimização da demanda de mão-de-obra nos projetos florestais e em participarem do combate à mão-de-obra informal.

A entidade apresentou como investimento na redução do consumo de carvão vegetal, a utilização de sistemas de injeção de carvão pulverizado e a promoção de pesquisas para a utilização de briquetagem a frio nas empresas, além da implantação de usinas de geração de energia elétrica, que segundo o palestrante, já se encontra em processo de implantação e a instalação de viveiros para produção de mudas em todos os pólos siderúrgicos.

Ibama mantém fiscalização

O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), foi representado na audiência por seus mais expressivos diretores na região e por técnicos da sede, em Brasília.

Estiveram presentes o diretor de Proteção Ambiental, Flávio Montiel; o diretor de Florestas do Ibama, Antônio Carlos Humel, o superintendente do órgão no Pará, Marcílio Monteiro, a gerente-executiva do Ibama/São Luís, Marluze Pastor, e a gerente-executiva do Ibama/Imperatriz, Adriana Carvalho.

Os representantes do Ibama bateram o martelo: vai manter a fiscalização até que as siderúrgicas e carvoarias se regularizem.

A idéia apresentada pelo Sindicato dos Produtores de Carvão, de as indústrias aproveitarem a madeira apreendida pelo Ibama, foi rechaçada por Montiel. “Nós não podemos compactar com esse tipo de coisa, porque, se a madeira foi apreendida pelo órgão é porque sua procedência é ilegal”. Flávio Montiel ponderou que nas audiências “o Ibama busca não é somente a sustentabilidade ambiental, mas também a sustentabilidade social”, diz Montiel, que é sociólogo.

Flávio Montiel disse que apesar de todas as ponderações, a fiscalização vai continuar porque ela é competência comum. Ele lembrou que o Ibama tem investido na fiscalização ambiental e que essas ações cresceram consideravelmente aumentando o número de multas aplicadas pelo órgão. O diretor de proteção Ambiental revelou que nestas últimas operações já foram apreendidas 37.600 metros cúbicos de carvão vegetal, dezenas de caminhões carvoeiros e lacrados 163 fornos.

A gerente do Ibama/Imperatriz, Adriana Carvalho, apresentou um diagnóstico das atividades da Gerência II de Imperatriz. Ela afirmou que nos últimos meses o grupo de trabalho tem verificado constantemente a entrada de carvão e sua respectiva cobertura legal. Disse que foram periciadas 1.184 Autorizações de Transporte para Produtores Florestais (ATPFs) sob suspeita de irregularidades, com a lavratura de 289 autos.

Questão será estudada por Grupo Interministerial

Decisão – Após os acirrados debates, ficou definido que, dada a complexidade do problema, Flávio Montiel e Antônio Carlos Humel encaminhariam ao presidente do Ibama, Marcus Luís Barros, e à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a sugestão da criação de um grupo de trabalho interministerial para fazer um estudo mais aprofundado da questão para que se volte a discutir com os empresários do setor siderúrgico numa outra oportunidade.

Esse grupo de trabalho interministerial seria formado pelos Ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Econômico (Indústria e Comércio), da Agricultura e do Trabalho, pois se chegou a uma conclusão que esse problema está ligado a todas esses setores do governo federal.

O jornalista Domingos Cézar indagou aos presidentes de sindicatos se a decisão correspondia aos seus anseios, e todos afirmaram que sim. O diretor da Asica, Luis Corrêa, também disse ter gostado da decisão, mas afirmou que as siderúrgicas vão continuar dando férias coletivas para parte dos funcionários e reduzindo a produção até que seja encontrada uma solução definitiva.

Por sua vez, o diretor de Proteção Ambiental, Flávio Montiel, disse que apesar desse consenso, o Ibama manterá em campo sua equipe de fiscalização, cumprindo seu papel.