Em alta, Saci contrapõe Halloween e ganha anuário

Por Carlos Gustavo Yoda (Carta Maior)
Um espectro insiste em rondar a cultura. É o Saci, que teima em dar nós na crina da indústria cultural. O Saci renasce como símbolo de resistência às festas de Dia das Bruxas que tomam conta do país. Para estimular

Um espectro insiste em rondar a cultura. É o Saci, que teima em dar nós na crina da indústria cultural. O saci renasce como símbolo de resistência à invasão pasteurizada e orquestrada. É cultura popular, essencial à identidade de um povo. Na simpática figura do travesso perneta e de seus amigos, Curupira, Boitatá, Iara, entre outros, crescem as manifestações contra-hegemônicas que resistem ao apagamento, no imaginário do povo, da tradição oral.


 


Diz o Manifesto do Saci que “a história de todas as culturas até hoje existentes é a história de opressores e oprimidos. Hoje, como ontem, o Saci apóia, em qualquer lugar e em qualquer tempo, qualquer iniciativa no sentido de contestar a arrogância, a prepotência e a destruição de que é portadora a indústria cultural do império”.


 


Nessa história de opressores e oprimidos, os livros de história contam apenas a versão dos opressores. Para estimular a resistência às versões oficiais, a editora Publisher Brasil lança no dia 31 de outubro (terça-feira), em São Paulo. Com textos de Mouzar Benedito e ilustrações de Ohi, ambos fundadores da Sociedade de Observadores de Sacis (Sosaci, uma ONC – Organização Não-Capitalista), o livro-agenda traz fatos históricos contados sob a ótica do serelepe mito brasileiro.


 


Segundo Mouzar Benedito, a SOSACI nasceu a partir de uma brincadeira entre amigos em um boteco em São Luiz do Paraitinga, interior paulista, em julho de 2003. “O Saci representa os três povos que são a raiz do povo brasileiro. Primeiro pelo nome de origem guarani, curumins protetores da floresta. Depois ele adquiriu a cor negra e perdeu a perna em uma roda de capoeira. E o gorro vermelho herdou das histórias européias, nas quais, quando o escravo recebia a liberdade, ganhava um piléu vermelho”, explicou.


 


Mas existem muitas versões para a origem do Saci. Uma delas diz que houve uma festa no inferno e o pessoal bebeu demais. Até o porteiro ficou bêbado. Um monte de diabinhos aproveitaram e fugiram. O diabo conseguiu prender todos novamente, menos um que continua desaparecido.


 


Já a socióloga Rute Botelho aponta que ele nasceu do taquaraçu, um tipo de bambu de gomos enormes. De cada gomo desse nascem sete sacizinhos. Todos nascem em noites de tempestades, já com seus cachimbos acesos.


 


Dia do Saci
O estado de São Paulo já instituiu o dia 31 de outubro como o Dia do Saci e Seus Amigos. A intenção é criar o contraponto de defesa da tradição cultural brasileira no mesmo dia em que é comemorada a festa estadunidense do Halloween, o Dia das Bruxas, espalhada pelo país através das escolas de idiomas. Algumas cidades também já instituíram a data em seu calendário comemorativo.


 


Um projeto de lei de autoria dos deputados federais Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e Angela Guadagnin (PT-SP) que instituiria em todo o país a data comemorativa, está paralisado na Câmara desde 2004. Além disso, o Ministério da Cultura, de acordo com a SOSACI, colocou o Saci em processo de registro de patrimônio histórico imaterial.


 


“Hoje o Saci foi resgatado no imaginário popular. Todo mundo se incomodava com essa história de Halloween, mas ninguém sabia bem por quê. Hoje temos um contraponto. Temos a nossa alternativa. As pessoas reconhecem isso como identidade”, pontua Benedito.


 


Halloween com carne seca
A primeira Festa do Saci, em 2003, nasceu sob o tema “Halloween? Só se for com carne seca”. “Todos os restaurantes de São Luiz venderam abóbora recheada com carne seca. A festa lá já virou tradição”, conta Mouzar. Este ano, os eventos na cidade serão realizados entre os dias 3 e 5 de novembro. Outras atividades acontecem em outras cidades do Brasil, como festas e a exibição do filme de Rudá Andrade, “Somos todos Sacys”.


 


Na capital paulista, a festa de lançamento do livro-agenda Anuário do Saci será no Bar Canto da Madalena (o bar da Tita, na Rua Medeiros de Albuquerque, 471, na Vila Madalena), a partir das 19 horas. O livro traz de passagens do calendário das lutas populares no Brasil a casos bizarros como a de um prefeito do Rio de Janeiro que proibiu a população de cuspir no chão.