Renato Rabelo: por que a CTB surge em boa hora
O presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, é um dos entusiastas da criação da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). Em entrevista ao Vermelho — concedida em Belo Horizonte, durante o congresso de fundação da entid
Publicado 13/12/2006 23:20
A saída da CUT
Esse esforço de aglutinar uma série de forças sindicais, tendo em vista criar a central, é muito importante. Os trabalhadores precisam de uma justificativa para formar opinião: por que sair da CUT e criar outra central? Há pouco mesmo, o pessoal dizia: “Fazíamos campanha para continuar na CUT e saldar nossos compromissos. Mudou para quê?”. E não é só questão de dizer se uma central é de lutas ou não é. A CUT continua a levantar uma série de bandeiras relevantes para os trabalhadores e o sindicalismo.
Mas o cenário mudou porque a CUT deixou de ser uma entidade plural, e eu insisto nesse aspecto. Uma única corrente (a Articulação Sindical, ligada ao PT) passou a monopolizar tudo — e pior: sem transparência. Havia uma espécie de “caixa-preta”. Além disso, até mesmo dentro dessa corrente havia divisões e disputas. A transparência não se dava nem no interior dessa força hegemônica. A permanência na CUT de outras tendências, como a Corrente Sindical Classista, tornou-se insustentável.
A outra questão é que, com a ascensão de Lula ao poder, a CUT passou a ter dificuldade em manter autonomia em relação ao governo federal. E a experiência nossa mostra que as organizações sindicais, em condições como esta, precisam manter autonomia. É o caso da Revolução de 1917. Na Rússia — e depois na União Soviética —, os sindicatos passaram a ser, digamos assim, um simples aparelho do próprio Estado. O Estado não sabia nem mesmo quais eram as reivindicações dos trabalhadores. Vinha tudo de cima. Isso sem falar do sistema de representação político exercido pelos sovietes.
Luta por uma central classista
Por todas essas dificuldades da CUT, passou a haver anseios em torno de uma nova central. Uma central que deve ter sempre a referência classista — ou seja, a classe dos trabalhadores e suas reivindicações. Uma central que garanta autonomia em relação a um governo — a qualquer governo.
Dois pontos indispensáveis, levando em conta o conjunto das correntes, são justamente a democracia e o pluralismo. A CSC só ampliou porque, mesmo dentro da CUT, soube manter uma atitude sempre crítica em relação à central, ganhando o respeito de outras forças. Em virtude dessa visão plural e democrática, toda a mobilização pela CTB deixou de ser só da Corrente Sindical Classista e passou a ter uma adesão muito grande de federações e confederações.
Esse foi o fator que completou esse processo de justificativa da nova central. Ocorreu também um alento: por parte dessas federações e entidades com as quais nem tínhamos tanto contato, começou a haver uma postura de muita abertura e apoio ao empreendimento de uma central. É aquilo que dizem: quando se destampa, surgem coisas que a gente nem imagina. Nasceu uma alternativa que muitos de fora esperavam.
É verdade que a CSC talvez tenha sido a força nuclear desse processo no começo. Mas há tantas federações de trabalhadores da indústria, tantas federações de trabalhadores rurais, a Confederação dos Marítimos — há muitas forças que estão participando em pé de igualdade, assumindo o compromisso como projeto de suas bases. Foi o coroamento, resulta na presença aqui de mais de 1.300 delegados, de todos os estados da federação.
Desafios da CTB
Há um uma fase de legalização que exige compromisso, recursos, meios. Mas esse congresso já está destinado a ter um papel importante, no sentido de cimentar a aglutinação desses vários setores sindicais. Sem contar que havia pessoas e entidades que não acreditavam na iniciativa. Formada a central, muitos desses — que não tinham talvez uma confiança maior — são capazes de vir a aderir. A central, uma vez criada, se torna um pólo centrípeto muito importante.
Há ainda as razões que levaram à saída da CUT. Na formação de uma central como essa, é necessário levar em conta toda a experiência, com atitude crítica e autocrítica. Os ensinamentos em relação à central anterior devem ser aproveitados na nova central. A CTB tem de demonstrar que é autônoma, plural e democrática. Se as pessoas que vêm não sentem esse espírito e acham que “é tudo igual mesmo”, haverá dissidências, estremecimentos.
É o aspecto nodal nessa fase de composição — nesse período em que a central está sendo montada. Evidentemente que, daqui para frente, o que importa é a vida, a prática, a luta. Importa como a central se posiciona diante dos anseios trabalhadores e como assume de forma conseqüente esses anseios.
“Novo tempo”
Não chego a dizer que o cenário pode possibilitar ascenso de massas e grandes mobilizações. Esse tipo de reação é muito imprevisível. Às vezes, mesmo com um contexto favorável, de crescimento de forças políticas, o ascenso não se dá. Mas, sem dúvida, a central surge num tempo mais favorável. Estamos vivendo um novo tempo, e muita gente não tem consciência disso ainda.
Isso tem reflexo não para as centrais mas também para os partidos de esquerda, as organizações progressistas, o movimento de uma maneira geral. É um processo de acumulação, às vezes até imperceptível. Nunca vivemos um período, na história política da América Latina, com esse grau de participação de luta pela soberania e pela democracia.
Forças populares da região, através de lideranças importantes, galvanizam grandes setores socais e políticos, chegando ao poder — inclusive à presidência da República. É algo inédito na América Latina, um momento de ousadia. Antes, o espaço democrático era muito pequeno, e esses povos daqui estavam muito amordaçados. Mal podiam levantar a cabeça. Daí faziam as lutas armadas, as guerrilhas nas selvas, por aí afora. Hoje é um momento novo, sim — queiramos ou não queiramos.
O Brasil
No nosso país, por exemplo, a eleição de Lula estabelece um novo ciclo. Há gente que não se dá conta das muitas conquistas democráticas e, por isso, não as defende. O que eu acho é que é precisamos dar passos adiantes, mas confirmar o que já conseguimos nessa etapa do governo Lula. Quem não compreende isso se perde.
Um parêntese só: ontem mesmo (11), conversando com algumas pessoas lá do Ministério da Fazenda, isso ficou claro. O salário mínimo, desde o primeiro governo Lula até hoje, voltou ao nível de 1964 — quando teve seu melhor índice na história do Brasil. Sabe o que é isso? É a real distribuição de renda.
As pessoas reclamam das bolsas fornecidas pelo governo Lula, que também compõem uma distribuição de renda primária. Mas os beneficiados são pessoas deserdadas que não tinham nada. A distribuição da renda foi encarada pelo governo Lula — e com razão — como uma emergência.
Essas áreas todas de saúde, educação, meio ambiente, entre outras, estão sendo discutidas amplamente em fóruns nacionais, conferências — tudo de baixo para cima. O povo participa efetivamente na elaboração de políticas públicas. Criou-se um grande movimento nacional até no esporte, cujos encontros em Brasília reúnem 3 mil, 4 mil ou 5 mil delegados. De baixo, nas bases, a mobilização chega a atingir cem mil pessoas.
É uma realidade de avanço democrático que nunca houve no Brasil, a não ser num período muito curto, do governo de João Goulart. O golpe militar de 1964 veio exatamente por isso. Chegamos talvez a ter ali um ascenso democrático — mas não igual a esse de hoje. Por que é preciso compreender isso, esse momento novo? Porque não devemos ver apenas o que queremos mas também compreender o passo que já deu.
Sinais de mudança
A central vem, portanto, num momento favorável. Esse papo de “uma central não vem num período de ascenso” é falso — é um verdadeiro mecanicismo. Vivemos um período, sim, de ascenso democrático, que é fundamental para organizar uma central com nova cultura, nova política. Isso acontece também com o PCdoB, que passa por uma fase de renovação, como fruto dessa situação. Nunca tivemos tantos pré-candidatos a prefeitos em capitais, só para você fazer uma analogia.
As pesquisas que começam a surgir mostram candidatos do PCdoB. Antes, aparecíamos só com um traço, abaixo de 1% — isso quando aparecíamos. Só lançávamos candidatos proporcionais. Agora já temos nomes competitivos, que despontam em segundo, terceiro lugar, mesmo nas principais cidades.
Em resumo: é um momento novo que se reflete no Brasil e na América Latina. Para a CTB — que tem o desafio de construir uma cultura sindical e responder a essa realidade —, a hora é certa. Consideremos o contexto.
De Belo Horizonte,
André Cintra